Destaques
Blogs fazem jornalismo?
Por
Marinilda Carvalho*
Analistas
de imprensa aproveitaram o fiasco dos blogs de política
nas eleições americanas para voltar a um velho
debate (entenda-se "velho" segundo os padrões
de tempo das novas mídias) que parece nunca terminar:
blogs fazem jornalismo?
Em 2 de novembro, dia da eleição americana, definitivamente
não fizeram. Então, isso é tudo? Não.
Teóricos
de valor e sem valor já definiram de muitas formas o
que é o jornalismo. Blogs também, mas talvez a
definição mais instigante seja "ruído
aleatório no isomorfismo do noticiário",
como exposto no texto "O blogueiro de B@gdá",
publicado na edição 297 do OI [ver remissão
abaixo].
Se
a maioria dos profissionais de jornalismo responde não
à pergunta do título, muitos jornalistas criaram
blogs e muitos jornais incorporaram blogs a suas edições
online.
Um
publicitário americano, Steve Rubel, chega a propor em
seu blog (micropersuasion.com)
que a revista Time escolha para Personalidade do Ano de 2004
os blogueiros, porque ninguém influenciou tanto a sociedade
este ano como eles.
Então,
o "ruído" dessa mídia alternativa é
cada vez mais alto, atraindo especialmente leitores insatisfeitos
com a grande imprensa. E aí parece estar o xis do debate.
De que blogs estamos falando?
Informação
e democracia
No
dia 4/11, o jornalista canadense David Akin, comentarista de
tecnologia que acha essa discussão entediante, deu boa
contribuição ao velho debate, incorporando alguns
conceitos. Ele disse em seu blog (http://davidakin.blogware.com/blog/)
que os jornalistas não estão encarando a questão
com honestidade.
Para
ele, tudo se resume a "controle do jornalismo". "Muitos
jornalistas e muitos críticos de jornalistas querem controlar
quem tem permissão para se autodenominar jornalista."
Akin
se queixa de que nas listas de jornalismo que assina há
um tópico perene: alguns jornalistas canadenses querem
formar organizações profissionais, como dos médicos
ou advogados, estabelecendo padrões de admissão
etc.
"Sou
mortalmente contrário a esta ou a qualquer outra idéia
que impeça quem quer que seja de fazer o que imagina
ser jornalismo", diz Akin. Para ele, o jornalismo é
importante demais no funcionamento da democracia para que se
impeça alguém de praticá-lo.
Ele
respondia a artigo de Jay Rosen, um dos diretores da New York
University e professor de crítica da mídia, que
fez uma lista de 10 paralelos entre blogs e jornalismo. Entre
eles: o jornalismo tradicionalmente assume que democracia é
o que temos e informação é o que buscamos;
blogueiros assumem que informação é o que
temos está tudo aí à nossa volta
e democracia é o que buscamos.
Vá
à luta
Akin
defende que blog é um formato; e jornalismo um processo,
ou um sistema. "Claro, blogs podem ser parte do sistema
que chamamos jornalismo e, obviamente, nem todos os blogs são
parte deste sistema (nem todos os blogueiros querem ser jornalistas)",
diz ele, para quem há três coisas que distinguem
o jornalismo:
**
Um contrato, uma compreensão entre leitor e jornalista
sobre quem paga as contas. Os leitores do jornal The Globe and
Mail [onde Akin trabalha] sabem que as contas, inclusive os
salários dos jornalistas, são pagas pela venda
de anúncios. Um leitor precisa saber quem está
pagando as contas, para determinar a validade das notícias
apresentadas.
**
Um leitor tem algum senso da existência institucional
do sistema: ele sabe que na ausência de um jornalista
alguém tomará seu lugar, mantendo o contrato.
É jornalismo quando se tem um sistema que garanta a produção
das informações. Então, o jornalismo precisa
existir numa instituição? Sim.
**
No jornalismo, o leitor pode contar com regularidade. Este é
também um ponto do contrato entre jornalista e leitor.
Enquanto jornalistas podem escrever esporadicamente, o sistema
trabalha com um deadline pode ser de ano em ano ou de
hora em hora. O leitor procura e acha. Sabe que pode contar
com aquela regularidade.
Se
você acha que faz jornalismo, vá em frente e considere-se
jornalista, convida Akin. "Lembre-se, eu não tenho
que considerá-lo jornalista e você não precisa
concordar em que eu seja", diz. "Mas se você
quer ser um jornalista, vá à luta." Então,
propõe ele, vamos parar de perguntar se blogs fazem jornalismo
e começar a blogar, a falar de coisas realmente importantes,
como: "Quando o Toronto Maple Leafs [time de hóquei
canadense] vai afinal ganhar um jogo?"
Empresas
jornalísticas
Steve
Outing, editor do Poynter Institute for Media Studies (www.poynter.org/),
diz que "quando um blogueiro inteligente e com bom público
dá uma informação exclusiva, ela se espalha
como fogo no mato; outros blogs a reproduzem, eventualmente
a grande mídia a desenvolve".
Mas
isso não é o que fazem os colunistas pagos de
jornal? Então, o que são os popularíssimos
blogs de política dos Estados Unidos, esses que bateram
cabeça no noticiário sobre o resultado da eleição
do dia 2, e que ainda trocam acusações pelo fracasso?
São realmente blogs? Ou já viraram miniorganizações
midiáticas, com seus contratos com o leitor, sistemas,
institucionalização, regularidade?
Até
Matt Drudge (www.drudgereport.com/)
já foi chamado de blogueiro, com toda aquela estrutura
de apuração de que seu site dispõe...
Tais
"blogueiros" ostentam anúncios em seus sites,
recebem doações de leitores, são hóspedes
"de cortesia" de grandes provedores. Contratam ajudantes,
montam pequenas (e até grandes) redações.
Alguns têm a cara da grande imprensa online. São
blogs? Dificilmente. Antes empresas jornalísticas, mesmo
que em escala menor.
Pelo
menos deveria
Em
fevereiro de 2003, Phil Ringnalda, um dos programadores da Pyra
Labs, a empresinha de São Francisco que criou o Blogger
em 1999, vendida recentemente ao Google, resumiu as questões
cruciais desse debate.
Cansado
da pergunta "Blogs fazem jornalismo?", que considera
imbecil, ele escreveu em seu blog (http://philringnalda.com/blog/):
"Todo artigo de jornal e revista parece ter necessidade
de perguntar isso, e geralmente responde Não!
(...) Diabos, sim! E o que é melhor, apenas com a parte
divertida do jornalismo, que podemos fazer sentados, sem a parte
chata."
Vejam
o que ele considera a "parte chata":
**
Ser dono de jornal é divertido, se você toma as
grandes decisões, faz dinheiro e não precisa enfrentar
sindicatos e congressistas gritalhões. Não temos
problemas trabalhistas, e quando começam a gritar conosco
deletamos seus e-mails e bloqueamos seu IP nos comentários.
Não temos muito dinheiro nem acionistas também.
**
Ser editor é divertido, se você pode decidir que
a matéria de fulano merece ir para o lixo mas
não é quando o jornal leva um baita furo. Azar,
ninguém espera mesmo que tenhamos todas as matérias.
Se temos, temos, se não, não temos.
**
Ser redator é um sádico divertimento, corrigindo
cada errinho na matéria dos outros. Mas não é
quando você mesmo comete um grande erro óbvio ou
deixa passar um ou 20 erros estúpidos. Nós corrigimos
os dois primeiros erros do post, e depois consertamos algum
outro que alguém nos aponte normalmente sem deixar
vestígios do erro. Para nós, não existe
essa de publicar "Correção" na edição
seguinte, por favor. Isso nos dá mais tempo para achar
um erro novo entre os que o redator deixou passar no jornal.
**
Ser repórter não é lá tão
divertido, a não ser quando você se senta numa
cadeira confortável e fica roubando idéias e parágrafos
inteiros dos outros. Se você tem que se plantar ao telefone,
ou, pior ainda, ir para rua caçar pessoas, já
é chato à beça antes mesmo que elas se
neguem a falar. Se temos algum amigo que sirva de fonte, ligamos
para ele. Se não, o repórter pode ir em frente
e bater perna por nós. Valeu!
**
Assim, ter um blog jornalístico significa cumprir a parte
boa de qualquer função do jornalismo, sem nenhuma
das partes chatas. Não admira que vocês continuem
perguntando se "blogs fazem jornalismo"!
O
bom humor de Ringnalda ajuda afinal a entender o que é
jornalismo: ralação, responsabilidade, trabalho
em equipe (bem, pelo menos deveria ser). Ajuda afinal a entender
o que é um blog no sentido tradicional, ou seja, páginas
na internet de blogueiros solitários que, é
claro, não ficam apenas procurando erro em texto de jornal,
mas estudam políticas, doutrinas, documentos, leis, o
próprio discurso da mídia, para analisar e levar
a seus leitores.
Não
fazem jornalismo, é verdade, fazem outra coisa: trabalham
pela cidadania.
Ringnalda
não fala absolutamente desse novo modelo de imprensa,
com cara de blog, jeito de blog, linguagem de blog, mas que,
altamente financiado, infra-estruturado, faz jornalismo, sim,
só que copiando a grande imprensa. E que ainda assim
fez mau jornalismo na última eleição presidencial
americana.
Fonte:
Observatório da Imprensa 16/11/2004.
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