Destaques
Saudação
em homenagem ao
professor José Marques de Melo
Lida
pela profa. Maria do Socorro Nóbrega
durante entrega do título de Professor Emérito
"Caro
homenageado:
O
Departamento de Jornalismo e Editoração concedeu-me
a honrosa tarefa de saudar nosso colega José Marques
de Melo, neste momento em que recebe o Título de Professor
Emérito, outorgado pela Congregação da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo. Incumbida de fazer uma apresentação
do homenageado, devo assinalar inicialmente que Marques de Melo
é um intelectual cujo trabalho tem feito multiplicar
as homenagens, em decorrência do múltiplo lugar
que ocupa nos meios acadêmicos e em instituições
nacionais e internacionais. Foi agraciado com vários
prêmios, como o Wayne Danielson de Ciências da Comunicação
da Universidade do Texas, a Medalha Rui Barbosa do Ministério
da Cultura, para citar apenas duas prestigiadas láureas.
Autorizo-me
a crer, porém, que o Título que ora recebe é
o que lhe fala mais profundo ao espírito e ao coração,
pois é certamente a esta Escola que o professor Marques
se sente mais afetiva e mentalmente ligado. Não posso
imaginar mais adequada e justa homenagem que esta, um testemunho
do reconhecimento pelo quanto fez pela Escola de Comunicações
e Artes - desde que ela existiu - e também um reconhecimento
pelos valores universitários que ele tão bem sintetiza.
O professor emérito José Marques de Melo é
hoje um personagem da moderna história da universidade
brasileira, por sua militância acadêmica em prol
do avanço dos estudos das comunicações
que marcou o Brasil nestes últimos trinta anos e mais.
(...)
Quem
examina atentamente os dados da formação e do
crescimento intelectual de José Marques de Melo, numa
leitura da vida como acontecimento, verá que ele, em
sua conduta, adotou o critério segundo o qual nós
nunca fazemos o suficiente por mais que façamos, e por
isso é preciso fazer cada vez mais. Fazer o melhor e
compartilhar. A partir do lugar e do tempo que ele ocupa, esse
seu traço social distintivo apresenta-se no curso dos
anos como ênfase na ação, no movimento,
na energia e na performance.
Alagoano
de nascimento, concluiu seus estudos secundários no Recife,
onde freqüentou a Universidade Católica de Pernambuco,
obtendo o bacharelado em Jornalismo, aos 21 anos. A seguir,
termina o bacharelado em Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco. Já nessa época, início dos
anos 1960, mostrava clara opção pelos estudos
da comunicação e dos media, ensinando no mesmo
curso superior de Jornalismo da Universidade Católica,
onde se formou. Aqui, à vocação para o
magistério se somava a do bibliógrafo que fazia
conferências na Escola de Biblioteconomia e Documentação
da UFP.
Simultaneamente,
vem à tona o pesquisador que publica os primeiros resultados
de suas leituras sobre a imprensa brasileira. Nesse mesmo momento,
o jovem de 22 anos começa a se empenhar no aperfeiçoamento
de sua formação, participando de cursos como os
patrocinados pelo Ciespal, na área das Ciências
da Informação (como era de se esperar). Esse é
um instante em que também se anunciava o estudioso da
nossa cultura popular, seja pela participação
em seminários específicos, seja pela principiante
autoria de trabalhos sobre essa matéria.
Tomando
a simultaneidade e o ritmo intenso dessas atividades, num espaço
de apenas dois anos (1964 e 1965), já se pode reter o
suficiente para captar o sentido dessas primeiras experiências,
sentido que prefigurava o futuro intelectual e que apontava
para o advento de todos os níveis de conhecimentos e
de atuação que marcam a trajetória de Marques
de Melo.
Faz
parte desse começo precoce seu ingresso na Universidade
de São Paulo. Em 1967, ele seria contratado pela Escola
de Comunicações Culturais mediante concurso público
a que se submeteu, em 1966, para lecionar a disciplina Introdução
ao Jornalismo. Isso acontecia exatamente aos seus 23 anos e
o fato determinaria, em grande parte, o caminho de sua vida.
Um ano depois, coincidindo com sua dedicação integral
à USP e com o cargo de regente da cátedra Técnica
e Prática de Jornal e Periódicos, era escolhido
Diretor do Departamento de Jornalismo, órgão criado
em 1968.
Embora
muito jovem, era ele, já então, considerado um
Especialista na área de Jornalismo, não só
no que se refere a professor, mas em tudo que a expressão
comporta de autoridade, confiança e respeito. Isso lhe
garantiu assumir o primeiro desafio de sua carreira, o de instalar
um dos principais cursos de jornalismo no país, trabalho
em que se engajou entre 1968 e 1972.
Superando
limitações de várias ordens, liderou um
grupo de professores, de ex-alunos e profissionais, elaborou
programas, selecionou e treinou docentes, monitores e funcionários,
implantando a infra-estrutura técnica e os primeiros
projetos experimentais. Erigia-se, assim, um dos primeiros departamentos
desta Escola, alicerçado na valorização
da pesquisa científica e da atitude crítica, uma
visão pedagógica praticada por Marques, autor
de vasta produção no plano do ensino de jornalismo.
O
êxito dessa sua primeira gestão são marcas
que balizam até hoje a história do Departamento.
Na verdade, conforme atestam os arquivos e as publicações
internas, a maior parte das primeiras atividades da instituição
relacionava-se diretamente com as inquietações
de sua personalidade, com sua liderança acadêmica.
Mesmo
naquela hora pioneira, com todas as dificuldades impostas pelo
cargo, Marques nunca perdeu de vista o contexto ou discurso
do país, buscando, desde então, inscrever o Departamento
de Jornalismo e Editoração no quadro político-cultural
da sociedade, o que pressupunha estar ele sempre equipado para
pronunciar-se sobre os fenômenos associáveis a
um campo então nascente, se considerado em relação
a outras a ciências.
Como
ninguém escolhe o papel histórico que deve representar,
o de José Marques, a meu ver, consistiu em abrir caminho
no Brasil para que se discutissem as complexas problemáticas
da comunicação e dos media e para que se colocassem
à prova seus instrumentos de descrição
e análise. Com esse objetivo, dirigia ou executava diversas
pesquisas, de cujas reflexões dava conta em conferências,
seminários, colóquios e livros.
Publicava
dezenas de ensaios em revistas nacionais, embalado pelo entusiasmo
de analisar o jornalismo brasileiro, sistematizar seus processos,
criar ou adequar metodologias. Desde então, empenhava-se
em ampliar o círculo de pesquisadores, percurso em que
iria ajudar muitos a construir a carreira universitária,
entre os quais se inclui grande parte dos antigos e atuais professores
do nosso Departamento.
(...)
O
sentido desse empreendimento e de seus rumos - adaptados evidentemente
ao espaço e tempo da atualidade - esse sentido é
o mesmo que movia seus futuros projetos, como seu Doutorado
(feito em 1973), em que explorou os fatores que retardaram a
implantação da imprensa no Brasil, tese condensada
no livro Sociologia da Imprensa.
Mas os fatos sucedidos no Brasil dos anos 1970, época
em que as coisas não corriam no seu curso natural, interromperam
as atividades de Marques na USP. Era o ano de 1974.
Tempo
de repressão e censura, ano duro para ele e sua mulher,
Sílvia. De regresso de um pós-doutorado nos Estados
Unidos é surpreendido com a rescisão de seu contrato.
Não pôde salvar-se da tempestade que se abateu
sobre seu caminho, teve que retirar-se. Somente no segundo semestre
de 1979 seria reintegrado ao Departamento, juntamente com dois
colegas afastados pela ditadura militar, os professores Jair
Borin e Thomas Farkas.
Naquele
reencontro com José Marques, o Departamento viu-se na
presença de alguém que não se havia deixado
intimidar ante os reveses da vida. Ao contrário, expandira-se
com uma extraordinária folha de serviços prestados
a várias instituições, no que tange ao
desenvolvimento do ensino e da pesquisa, uma folha que hoje
é interminável, onde figuram atividades tão
variadas quanto postos acadêmicos ocupados, implantação
de cursos de pós-graduação, formação
de mestres e doutores, publicações no país
e no exterior, cargos em entidades científicas, afora
diversas outras funções.
O
retorno à USP representou um novo ciclo em sua trajetória.
Foi marcado pelo Concurso de Ingresso e pela volta à
Chefia do Departamento, cargo que voltou a exercer durante o
período de l983 a l989, quando foi sucessivamente reeleito.
Incansável e sensível às exigências
do tempo, arregimentou os professores e as instâncias
deliberativas para um trabalho de reestruturação
dos cursos, integração disciplinar e reformulação
da pesquisa.
Era
um momento em que a USP se mobilizava para o projeto de avaliação,
ao qual ele aderiu, estimulando o Departamento a participar
de uma avaliação externa, que foi realizada, de
forma transparente, pela câmara de pesquisa da USP, e
cujo efeito maior seria a implementação de novos
programas de ensino, sobretudo na pós-graduação.
Voltando
a dedicar-se integralmente à universidade, obteve sua
livre-docência em 1984, com um estudo sobre os textos
opinativos da nossa imprensa, posteriormente editado no livro
A Opinião no Jornalismo Brasileiro. Em 1987 fez o concurso
de professor titular e dois anos mais tarde seria conduzido
ao cargo de diretor da Escola, com a legitimidade de quem a
ela se dedicou desde sua fundação e contribuiu
com uma longa história de participação.
A
propósito de sua escolha - gestão entre 1989 e
1992 - convém registar que ela foi o resultado da preferência
majoritária da comunidade e do primeiro lugar na lista
tríplice. Sua plataforma ambicionava "Reconstruir
a ECA", conforme está explicitada em documento com
o mesmo título, catalogado. O que chama a atenção
nesse programa é uma visão de universidade pública
quase utópica, formulada em princípios de compromisso
social, de competências específicas e de representação.
Ao
cumprir sua plataforma, estabeleceu o diálogo sistemático
e eficaz com todos as correntes da Escola. Os seus argumentos
para reorganizar as estruturas de ensino obtiveram confirmação
em diagnósticos de conteúdos e métodos,
feitos, no plano interno, com base em enquetes, reuniões
de trabalho, simpósios e colóquios, e, externamente
- na sociedade maior - em cima de estudos sobre as profissões
e a atuação de ex-alunos.
Dessa
forma, Marques consagrava-se a um projeto que postulava grande
envolvimento da Escola, iniciativa que contou com a participação
de consultores internacionais e visitas de docentes da casa
a universidades estrangeiras. Seu espírito de inovar
fortificou-se. Com o apoio dos órgão colegiados,
implantou novas diretrizes e estruturas de ensino, representadas
pela conquista da autonomia curricular nos cursos de graduação,
que começou a ser implantada a partir de 1993.
Empenhou-se
a fundo para renovar, na Escola, o Programa de Pós-Graduação
na área de Comunicação; apesar de não
ter conseguido mudar quanto gostaria, ele viu a Escola incorporar
parcialmente novos programas de formação científica,
conseqüência de uma ação coletiva transcorrida
em sua gestão - um êxito que se deveu à
personalidade empreendedora de Marques de Melo, à sua
enorme tenacidade.
anto
no Departamento quanto no âmbito da Escola, sua presença
significou a defesa de uma posição acadêmica
que seleciona, exprime e valoriza tendências contemporâneas
na elaboração de políticas de ensino e
pesquisa. Aliás a preocupação com a formação
de profissionais e de pesquisadores é ponto essencial
na reflexão de seus trabalhos, um tema que serve para
unir grande parte do espectro dos assuntos de suas publicações.
Marques
escreveu milhares de páginas sobre os domínios
das comunicações, examinou métodos e modelos
europeus e norte-americanos para o estudo dos media, observou
práticas diversas. O conteúdo desses estudos,
no decorrer dos anos, é claramente o signo daquela vontade
de projetar e explorar um campo fértil de estudo, o das
chamadas Ciências da Comunicação, e de consolidar
espaços de habilitação profissional.
Um
corte nessa produção confirma que o jornalismo
(a práxis) com seus desdobramentos foi seu ponto de partida,
formando um visível eixo num conjunto que se foi sedimentando
a partir de Comunicação: Teoria e Pesquisa, publicado
em 1972, seguido de Sociologia da Imprensa Brasileira, A Opinião
no Jornalismo Brasileiro, Para uma leitura crítica da
Comunicação, Comunicação e Modernidade,
entre outros.
Coordenou
dezenas de coleções de ensaios ou trabalhos de
equipe, destacando-se: Ideologia e Poder no Ensino das Comunicações,
Comunicação e Transição Democrática,
Comunicación Latinoamericana, Communication for a New
World. Uma obra que ilustra sua extrema devoção
à pesquisa e sua vocação de bibliógrafo
é o compêndio Fontes para o Estudo da Comunicação,
trabalho hercúleo de investigação bibliográfica,
que resgata, exaustivamente, os estudos realizados na área
ao longo do século XX.
Pensando
na sua produção e militância acadêmicas,
é preciso considerar que ele, de fato, levou adiante
um extraordinário esforço para atravessar um território
complexo como o das comunicações, para cuja realização
foi decisivo o seu talento de mobilizar e aglutinar pessoas.
Um
testemunho expressivo desse esforço foi a criação
em 1997 da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação (Intercom), fundada por ele e uma
equipe de professores, um projeto de criação de
um espaço nacional para o debate científico, que
hoje reúne inúmeros estudiosos e profissionais
do país. A Revista Brasileira de Comunicação,
órgão da entidade, publica ensaios e artigos de
consagrados ou novos pesquisadores, um efetivo compromisso com
o apoio à divulgação da pesquisa e do conhecimento.
Hoje
o professor José Marques continua em sua trajetória
enfrentando outros desafios, muitos deles próprios do
início deste milênio, o que não significa
abandonar as realizações anteriores. Ao contrário,
seu papel de promotor e indutor de inovações certamente
continuará a ser desempenhado, como ator decisivo e determinante
na arena da formação científica e profissional.
Desejamos
que fique em sua lembrança este momento em que a Escola
de Comunicações e Artes lhe concede o Título
de Professor Emérito e que continue sempre presente nesta
casa.
Muito
obrigada."
Voltar
|