Nº 9 - Dez. 2007 Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 
 

Expediente

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 


ARTIGOS
 

Discurso, identidade
e representação na
imprensa jornalística


Por
Claudiana Nogueira de Alencar
e Letícia Adriana Pires Teixeira*


RESUMO

Neste trabalho, apresentaremos o discurso jornalístico como um discurso institucional que deve ser considerado para entendermos a formação e a manutenção das representações sociais.

Reprodução

Francisco de Goya y Lucientes,
"P
adre e Idosa", 1824-25, Princeton University Art Museum, EUA.

O nosso objetivo é procurar demonstrar que o estudo da prática jornalística, em seus múltiplos aspectos que englobam a produção, a circulação e o consumo de textos, pode proporcionar o conhecimento das condições de emergência das representações sociais de um dado grupo social. Para isso propomos a substituição de uma prática comum de pesquisa em representações sociais, a análise de conteúdo para o tratamento dos dados coletados, por uma análise crítica do discurso, que nos parece mais apropriada à análise da prática jornalística, exemplificando-a na forma de uma análise das representações sociais da loucura pela imprensa cearense. Ao mesmo tempo em que propõe uma análise do discurso jornalístico, este trabalho procura também refletir sobre o processo de discursivização da própria instituição jornalística.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria / Discurso / Representações Sociais

1. Discurso jornalístico e representação social

Pretendemos nesse trabalho promover uma discussão acerca da prática discursiva da imprensa com o intuito de, na medida em que se propõe uma análise do discurso jornalístico, refletir sobre o processo de discursivização da própria instituição jornalística.

Vale ressaltar a esse respeito, o trabalho de Bethania Mariani (1999) que estuda o processo histórico e jurídico da formação do discurso jornalístico brasileiro chamando a atenção para a heterogeneidade constitutiva dos discursos institucionais. Segundo ela

(...) a compreensão do funcionamento de um discurso institucional não permanece restrita a uma correlação mecânica entre o que se diz e um lugar institucional correspondente, nem a uma concepção fixista da instituição, impedindo uma leitura crítica da sua forma de existência histórica’ (Cf. MARIANI, 1999: p.49).

Nesta perspectiva, um discurso institucional passa a existir a partir da historicidade que o constitui e essa historicidade pode ser vista como resultante de processos discursivos que legitimaram e deram sentido às instituições. Ou melhor:

O que chamamos de instituições é fruto de longos processos históricos durante os quais ocorre a sedimentação de determinados sentidos concomitantemente à legitimação de práticas ou condutas sociais. São práticas discursivas que se legitimaram e institucionalizaram, ao mesmo tempo em que organizaram direções de sentidos e formas de agir no todo social’ (Cf. MARIANI, 1999: p.51) .

Desse modo, queremos refletir sobre a organização de sentidos na imprensa a partir da análise das representações sociais, buscando estudar as estruturas discursivas dessas representações inseridas em dinâmicas sociais e históricas. Sá (1998: p.72) incentiva, em seu trabalho, a construção de pesquisas, ainda escassas no Brasil, que articulem os sistemas sociais de comunicação com os sistemas de representação social.

As representações sociais são tipos de conhecimentos que como produto social têm de ser remetidos às práticas discursivas em que emergem, circulam e se transformam. A Teoria das Representações Sociais – TRS – operacionaliza um conceito para trabalhar com o pensamento social em sua dinâmica e em sua diversidade. Ela parte da premissa de que existem formas diferentes de conhecer e de se comunicar, guiadas por objetivos diferentes, formas que são móveis, e define duas delas, presentes nas nossas sociedades: a consensual e a cientifica, cada uma gerando seu próprio universo.

O universo consensual ou o do senso comum seria aquele que se constitui principalmente na conversação informal, na vida cotidiana, enquanto o universo reificado se cristaliza no espaço cientifico, com seus padrões de linguagem e sua hierarquia interna. As representações sociais constróem-se mais freqüentemente na esfera consensual, no senso comum, embora as duas esferas não sejam totalmente separadas (Cf. ARRUDA, 1998).

Para Denise Jodelet (Apud: SPINK, 1995: p.88) as representações são

(...) fenômenos complexos cujos conteúdos devem ser cuidadosamente destrinchados e referidos aos diferentes aspectos do objeto representado de modo a poder depreender os múltiplos processos que concorrem para a sua elaboração e consolidação como sistemas de pensamento que sustentam as práticas sociais.

Nesse sentido, a prática discursiva jornalística, apesar de produzir a ilusão da neutralidade e da verdade na idéia de que o jornal é imparcial, pois nele “os fatos falam por si”, apresenta-se como um “lugar” onde as crenças, as identidades, os valores e as representações sociais assumem, através do discurso jornalístico, significados que têm sido reafirmados e reivindicados pelos diversos grupos sociais.

A imprensa enquanto instituição será constituída das leis que instituem sua liberdade, mas que funcionam como controle regulador da própria liberdade que defende. O discurso jornalístico vai funcionar a partir dessas sanções e, portanto como mantenedor das relações sociais através das circulações de determinadas informações.

No que diz respeito ao processo histórico de formação da imprensa, Thompson (1995) vem mostrar que o desenvolvimento inicial da imprensa e das publicações sempre esteve interligado com o exercício do poder político. As autoridades responsáveis pelos aparatos administrativos dos Estados-nações emergentes restringiam ou suprimiam a publicação de material supostamente herético ou perigoso. A censura, que já funcionava na Idade Média como atividade irregular dos copistas, passa a ser regulamentada com o advento da imprensa tornando-se sistemática e secular (Cf. THOMPSON, 1995).

Assim, o desenvolvimento da imprensa nos séculos XVII, XVIII e XIX foi marcado pelo controle por parte das autoridades do Estado assumido através da censura aberta, do estabelecimento de impostos e subsídios vários. Nesse contexto, surge a luta pela liberdade de imprensa, juntamente com o nascer do pensamento democrático liberal, que se proponha a combater o poder repressivo do Estado. Foi a partir dessa luta que no curso dos séculos XVIII e XIX, foi incorporado nas constituições de muitos países o princípio da expressão livre dos pensamentos e opiniões a partir do qual “os indivíduos teriam um direito de expressar suas opiniões numa imprensa livre e independe, sujeita apenas às exigências, que variavam historicamente e de um contexto nacional a outro” (Cf. THOMPSON, 1995: p.324.)

Conforme Orlandi (1997), considerar o processo de produção de sentidos silenciados não é considerar o que a semântica batizou de implícito, mas ligar o não-dizer à história e a ideologia. No entanto, não apenas a historicidade, que silenciada emerge para desmistificar a objetividade do discurso jornalístico, ameaça o sonho da imparcialidade na prática discursiva da imprensa.

Relações econômicas, políticas e sociais nas atuais práticas discursivas da imprensa jornalística, funcionam de modo a reger o discurso jornalístico, mantendo determinadas ordens de discurso e, por conseguinte, determinadas ordens sociais. Pretendemos compreender, a partir dessas condições de produção do discurso jornalístico descritas aqui, o impacto das práticas discursivas da imprensa na elaboração das representações sociais, especificamente na elaboração das representações sociais da loucura.

O transtorno mental ou o que convencionamos chamar “loucura” é um assunto que, ao longo da história da humanidade, demonstra-se complexo e difícil de ser abordado. Essa dificuldade advém também da incapacidade humana de separar o que é loucura do que não é. E de olhar o transtorno mental longe das lentes do preconceito que condenou os doentes mentais à exclusão social.

Até hoje, ainda não se definiu exatamente o que vem a ser loucura, nem quem realmente são os loucos. Catalogar, classificar por tipos formas tem a função de facilitar a aproximação: demência precoce, paranóia, psicose, esquizofrenia e tantas outras que atualmente compõem um Código Internacional de Doenças - CID. Com a Reforma Psiquiátrica em 1990, os tratamentos, os remédios, as terapias mudaram. Mas e as representações sociais da loucura? Mudaram o conhecimento, as crenças e preconceitos sobre o que seja uma doença mental?

Embora o discurso sobre doença mental tenha tido mudanças significativas e a Reforma Psiquiátrica esteja em processo de desenvolvimento, procuramos investigar se algumas formas de representações acerca das doenças mentais ainda permanecem inalteradas.

2. As produções simbólicas sobre a loucura no imaginário social

A relação das instituições sociais com os doentes mentais, ao longo dos anos, tem se configurado em uma sucessão de recuos constantes e de aproximações lentas. Chegou-se, na idade média, ao extremo da negação da loucura com a criação da “nau dos insensatos”, uma embarcação que levava doentes mentais rio abaixo, sem destino.

Nessa época, qualquer diferença dos padrões estabelecidos pela sociedade e pela igreja, era imperdoável.

Passado o tempo da negação, veio o tempo do confinamento, das celas fortes, das prisões, das torturas e das correntes que durou até o final do século XVIII com os discursos mais humanitários de iniciativas francesas e inglesas que passaram a ver os loucos como doentes.  A partir daí, começa-se a propor um olhar mais sanitário e menos segregador e mistificador.

No Brasil, a relação com os loucos não foi diferente. Somente em 1987, após mobilizações de alguns psiquiatras e técnicos em saúde mental a favor da Reforma Psiquiátrica, houve a I Conferência Nacional e em 1992, a II Conferência. O primeiro passo dessa reforma foi dado pelo Estado de São Paulo, ao instalar um Centro de Atenção Psicossocial na capital. Em seguida, no Estado do Ceará foi criado o CAPS de Iguatu, reformulando a atenção dada aos doentes mentais nesse local.

Hoje existe, porém, uma mudança de discurso na compreensão da loucura. Todavia a exclusão desse doente dos direitos à cidadania ainda se fundamenta num resíduo de representações arcaicas sobre a loucura que remetem à época do Iluminismo e sua notória divisão entre racionalidade e loucura.

Evidenciamos, portanto, a relevância de analisar o discurso dos jornais de maior circulação do Ceará sobre a loucura na década de 90, com o objetivo de promover nos estudos do jornalismo a formação de uma consciência das relações sociais de poder constituídas através da linguagem.

Ao longo do estudo, interpretamos marcas textuais, nos jornais impressos de maior circulação no Ceará, para verificar quais os dispositivos de enunciação são utilizados como argumentos favoráveis ou contrários às mudanças de tratamento dos “loucos” e como essas pessoas são vistas. Tal análise foi realizada em três níveis: no contexto situacional imediato; no contexto institucional e no contexto sociocultural mais amplo.

Não nos interessa somente o que os textos impressos dizem literalmente, e sim como o jornais deslocam os sentidos da loucura em seus textos: das “vozes” dos movimentos contrários aos internamentos dos “loucos” em asilos, hospícios, manicômios ou até mesmo em hospitais psiquiátricos, e como ela se reporta às “vozes” dos hospitais psiquiátricos e das instituições asilares sem os seus “hospedes permanentes”. Nosso intuito foi, portanto, indagar quais são as representações dos “loucos, da loucura e de seus tratamentos” construídos no discurso jornalístico.

O estudo foi feito através de consultas retiradas do jornal Diário do Nordeste, abrangendo o período da década de 90. Fizemos o levantamento dos textos publicados nesse jornal a partir da utilização das designações: loucura, psiquiatria, reformas psiquiátricas, manicômio, internação psiquiátrica, doente mental, doença mental, saúde mental, instituição psiquiátrica, esquizofrenia, psicose e transtorno mental.

Em princípio, selecionamos as notícias e reportagens para constituição de um corpus amplo e, posteriormente, de um corpus mais restrito para a análise das matérias. O universo foi composto por matérias sobre o tema loucura retiradas do jornal “Diário do Nordeste”. Entretanto, quando necessário, recorremos a outras publicações da mídia impressa nacional, como os jornais: O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil e O Globo para subsidiar as investigações discursivas do trabalho.

Ao adotar a abordagem da Análise Crítica do Discurso (Cf. FAIRCLOUGH, 2001), buscamos investigar a efetiva construção das estruturas organizacional e lexical dessas publicações, enfocando as possíveis divergências de posicionamento entre as instituições públicas e privadas, entidades médicas e o governo brasileiro quanto à Reforma Psiquiátrica. Na parte lexical, identificamos o tipo de léxico utilizado e seus “significados” semânticos e ideológicos.

Com o método comparativo, tentamos traçar os pontos de convergências e divergências entre as informações trabalhadas nos enunciados do material coletado. Em seguida, delineamos os prováveis fatores distintivos utilizados por essas publicações em sua produção discursiva e representações acerca da “loucura” e da Reforma Psiquiátrica no Brasil.

3. Discurso e crítica social

A abordagem multidimensional proposta por Norman Fairclough (2001), que trabalha com uma concepção de discurso de orientação social e lingüística, parece-me adequada como aparato teórico - metodológico a ser utilizado na investigação do tema da loucura, uma vez que a posição sobre discurso e subjetividade defendida nesta abordagem é dialética: considera os sujeitos “moldados pelas práticas discursivas, mas também capazes de remodelar e reestruturar essas práticas” (Ibidem, p.70). Portanto, utilizamos em nossa análise o conceito de discurso tridimensional retirado da análise crítica do discurso proposta por Fairclough (2001: p.22):

Qualquer ‘evento’ discursivo (isto é, qualquer exemplo de discurso) é considerado como simultaneamente um texto, um exemplo de prática discursiva e um exemplo de prática social. A dimensão do ‘texto’ cuida da análise lingüística de textos. A dimensão da ‘prática discursiva’, como ‘interação’, na concepção ‘texto e interação’ de discurso, especifica a natureza dos processos de produção e interpretação textual (...). A dimensão de ‘ prática social’ cuida de questões de interesse da análise social, tais como as circunstâncias institucionais e organizacionais do evento discursivo e como elas se moldam a natureza da prática discursiva e os efeitos constitutivos/construtivos referidos anteriormente.

A abordagem de Fairclough tenta operacionalizar a percepção foucaultiana da construção discursiva de sujeitos sociais e do conhecimento em métodos reais de análise. Foucault optou por enfocar as práticas discursivas num esforço para ir além dos dois principais modelos alternativos de investigações disponíveis na pesquisa social – o estruturalismo e a hermenêutica (Cf. DREYFUS e RABINOW, Apud: FAIRCLOUGH, 2001: p.62). A partir do trabalho arqueológico de Foucault sobre o discurso das ciências humanas, podemos entender as práticas discursivas como constitutivas do conhecimento e as formações discursivas como regras para a constituição de áreas do conhecimento.

O analista inglês ainda promove um deslocamento no uso das noções próprias da análise do discurso francesa como formação discursiva e interdiscurso. Ele utiliza tais conceitos a partir de Pêcheux (1997) que considera formação discursiva como algo que pode e deve ser dito determinado por uma posição, em uma dada conjuntura histórica.

Explicitando melhor, que em uma sociedade há relações de classe que implicam certas posições políticas e ideológicas que, por sua vez, incluem formações discursivas interatuantes, e que determinam o que pode e o que deve ser dito, considerando certas posições na conjuntura social.

É através dessas formações discursivas que se pode reconhecer, nos textos, o cruzamento de vários discursos e, ao mesmo tempo, a dominância de um deles. É, portanto, no espaço das formações discursivas, atravessadas pela dimensão ideológica, que se reconhece a manifestação de gêneros específicos bem como o condicionamento do sujeito à ideologia e ao inconsciente, o “assujeitamento”. Desse modo, as ideologias como constitutivas da produção/reprodução dos sentidos sociais, por força dos aparelhos ideológicos, tem papel fundamental nessa análise do discurso.

Fairclough (1989) afirma, inclusive, que as pessoas são aprisionadas e constrangidas por convenções sociais em que formam suas “supostas subjetividades”, suas identidades. E de modo correspondente, essas pessoas manipulam a fala com propósitos estratégicos a contextos diferenciados. Os discursos são considerados como práticas sociais determinadas pelo contexto sócio-histórico, mas não deixam também de ser partes constitutivas desse mesmo contexto.

Maingueneau (2002), analista francês, atribui à Análise do Discurso um sentido amplo e um sentido restrito. No primeiro caso, haveria várias disciplinas que trabalhariam com o discurso: teoria da argumentação, sociolingüística, análise da conversação. No segundo sentido, teríamos uma disciplina específica cujo objetivo se dá em compreender o discurso como imbricação de um texto e de um lugar social. O objeto de estudo dessas análises não seriam nem o texto em si, nem a situação de interação, mas a relação que os articula. Em outros termos, um sujeito sempre se expressa a partir de uma posição social e sempre se expressa através de textos que se conformam a gêneros. Logo não se pode desligar o verbal do institucional.

O trabalho de Fairclough (1989) será útil para perceber os efeitos inscritos no processo de produção/reprodução/transformação de conceitos, objetos e temas sobre a loucura nos discursos jornalísticos. Seu programa de estudos aparece como uma alternativa complexa, uma vez que questiona até mesmo a suposta neutralidade lingüística. Ele afirma que a pesquisa em lingüística não descreve apenas o seu objeto de estudo. Pelo contrário, ela deve contribuir para que as pessoas se tornem conscientes da exploração e dominação estabelecidas também através da linguagem, provocando emancipação e mudança social.

4. Representações sociais novas e arcaicas sobre a loucura

Nossa linguagem, ou seja, nossas falas, nossos textos, nosso discurso são atravessados pelas idéias do nosso tempo, do lugar e grupo social no qual estamos inseridos e com o qual interagimos. Por isso, os textos produzidos pela instituição jornalística são amostras de uma prática discursiva que, por sua vez, faz parte de uma prática social. Conforme Milton José de Almeida (2002: p.14): “A língua é produzida socialmente”. Sua produção e reprodução é fato cotidiano, localizado no tempo e no espaço da vida dos homens: uma questão dentro da vida e da morte, do prazer e do sofrer.

Desse modo, não podemos estudar o discurso, desvinculando-o do social e do cultural.

Por isso os lingüistas reconhecem ser necessário “reunir métodos para analisar a linguagem, desenvolvidos na Lingüística e nos estudos de linguagem com o pensamento social e político relevante, para desenvolver uma teoria social da linguagem adequada” (Cf. FAIRCLOUGH, 2001: p.19). Se todo discurso expressa as subjetividade de quem escreve, com o discurso jornalístico não é diferente. A neutralidade na mídia inexiste, como em qualquer manifestação lingüística, inclusive a científica. Assim o discurso é atravessado por ideologias, estabelecendo relações de poder.

As opiniões manifestadas pelos meios de comunicação são instâncias que promovem um refletir nos sujeitos que lêem e que posteriormente acabam incorporando ou rejeitando os significados construídos no texto lido. Dessa forma, vão sendo constituídas e reproduzidas as representações sociais. Quem se identifica com o que foi lido reafirma suas representações e incorpora as novas ancoragens, como diz Machado (2004), passando a ter mais referências para estar como ser no mundo.

Segundo Machado, o sujeito que discorda do que lê faz o mesmo trajeto cognitivo ao discutir e/ou negar o que está sendo divulgado, reforçando e reelaborando suas opiniões, que também irão determinar sua subjetividade e sua condição de ser social.

Há, nos dois casos, um processo individual e coletivo em que são revistos seus códigos pessoais de valor, suas crenças e suas ideologias.

Inicialmente, fizemos uma análise dos textos jornalísticos e constatamos denúncias de desassistência aos hospitais psiquiátricos; propostas inovadoras e criativas de cuidar dos sujeitos com transtornos mentais; discussões sistemáticas sobre o tratamento através de medicamentos e através da psicanálise; experiências em decorrências dos novos conceitos de assistência psicossocial em saúde mental. Há também discussões sobre os custos do atendimento em hospitais psiquiátricos. Esses temas são recorrentes. Embora, sejam dados parciais ainda, percebemos no nosso estudo que as representações sociais arcaicas entre a reforma de transição e a de manutenção ainda se fazem presentes nos discursos do Diário do Nordeste dessa década.

É válido acrescentarmos que denominamos, a exemplo de Machado (2004), de reforma de manutenção a categoria que é formada pelo conjunto de temas que tratam sobre a preocupação com as transformações de um modelo puramente manicomial, enquanto que a reforma de manutenção imprime os mesmos referenciais da Psiquiatria antes do movimento da Reforma Psiquiátrica. Nesse modelo, havia a defesa da internação das pessoas com transtornos mentais e o tratamento apenas biológico. Não se via nem o sujeito, nem o cidadão se via a doença.

5. Considerações finais

A mídia reflete a polêmica das discussões e, na impressa, especificamente, essa polêmica é bem mais permanente. Em relação ao tema pesquisado, na década de 90, no Jornal Diário do Nordeste, verificamos que os textos acabam evidenciando a complexidade e polêmica das discussões em torno do tema loucura. Essa complexidade é iniciada pelo próprio léxico “loucura”. Não se define claramente se loucura é ou não sinônimo de doença mental.  Além disso, os próprios especialistas vivem situações dicotômicas em relação à Saúde Mental que mascaram ou não as transformações, criam referências e, de uma forma ou de outra, inferimos que também acabam inovando as políticas governamentais.

Há, conforme já citamos, nos jornais pesquisados, de um lado um grupo que manifesta atitudes favoráveis à Reforma Psiquiátrica , defensor de políticas inovadoras de assistência psicossocial, extra-hospitalares, que visam à inclusão do doente mental em sua comunidade, em sua sociedade (digam-se de passagem, lugares de onde nunca poderiam ter sidos excluídos, afinal doentes devem ser tratados, cuidados e não ignorados socialmente). E de outro, há os especialistas que acreditam na necessidade da retirada do doente mental de seu núcleo social e familiar com a valorização dos hospitais psiquiátricos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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THOMPSON, J. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era da comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.

*Claudiana Nogueira de Alencar é doutora em lingüística pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e pela Universidade de Birmingham (Inglaterra) e professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (FGF). Letícia Adriana Pires Teixeira é mestre em Lingüística pela Universidade Federal do Ceará e professora assistente da Universidade Estadual do Ceará e da Faculdade Integrada do Ceará.


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]