Artigos
A
emergência do jornalismo informativo
e a construção de representações
da identidade profissional
Por Michelle Roxo de Oliveira*
Resumo:
Durante o desenvolvimento da imprensa comercial no século
XIX e do nascimento de um novo modelo de jornalismo, que
tem como paradigma a informação com base
nos fatos, os jornalistas começaram a definir um
conjunto de representações da identidade
profissional. Investindo-se de uma série de papéis
e orientações de conduta, os agentes do
campo buscaram o reconhecimento da sociedade, demarcando
sua importância enquanto grupo profissional.
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Reprodução

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Introdução
Ao
longo do processo de profissionalização do jornalismo,
várias funções e imagens foram sendo configuradas
em torno da identidade profissional dos agentes do campo. [1]
Essas representações estão presentes sobretudo
na maneira como os jornalistas apresentam seu papel social e
a importância de seu trabalho para a sociedade.
A
identidade é entendida nesse artigo como um processo
de construção social, que corresponde à
definição social do grupo e que permite situá-lo
socialmente (CUCHE, 1999). "A existência de uma identidade
profissional implica, por sua vez, a definição
de como ser jornalista e como estar na profissão (...)"
(TRAQUINA, 2004a, p. 42).
Muitos
das representações da identidade profissional
do jornalista começaram a se configurar, durante o desenvolvimento
da imprensa enquanto atividade comercial e do nascimento de
um novo modelo de jornalismo no século XIX, que tem como
paradigma a informação com base nos fatos - o
chamado "jornalismo informativo" (TRAQUINA, 2004b).
Ou
seja, é a partir desse modelo, que a imprensa e o jornalista
investem-se de uma série de valores, orientações
de conduta e representações que legitimam e dão
sentido a seu papel na sociedade. Entre as quais, podemos destacar
a apresentação do jornalista como servidor do
público, vigilante dos poderes, defensor da verdade,
independência, liberdade e imparcialidade.
A
configuração do jornalismo informativo
Antes
do desenvolvimento do chamado jornalismo informativo, os jornais
impressos já existiam mas eram utilizados, sobretudo,
como instrumento de causas político-partidárias
e tinham como base informações opinativas. Esta
foi a fase da imprensa de opinião, caracterizada pela
"produção artesanal, tiragens reduzidas,
estilo polêmico e manifestação de idéias"
(SODRÉ, 2002, p. 19).
É
durante o processo de expansão do jornalismo enquanto
atividade comercial que as informações com base
nos fatos (notícias), e não mais o texto político-partidário,
torna-se a principal vitrine dos jornais. Ao invés de
opinativo e polêmico, o jornalismo moderno apresenta-se
como espelho da realidade social. A partir dessa mudança,
configura-se aquilo que passamos a chamar de jornalismo informativo
e que hoje, como aponta Genro Filho, é tradicionalmente
visto como modelo do próprio jornalismo, o "jornalismo
por excelência" (1987, cap. VIII, p. 1).
As
etapas anteriores à configuração da imprensa
como atividade empresarial, na visão do autor, formam
a "pré-história" do jornalismo informativo.
O
modelo de imprensa comercial, organizado com base industriais
e mercadológicas (SODRÉ, 2002) , desenvolveu-se
sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, quando
os jornais - com características empresariais bem definidas
- experimentam uma grande expansão de suas tiragens.
O crescimento das vendas e, principalmente, as receitas publicitárias
provenientes dos anunciantes vão financiar os custos
dos jornais, que caminham em direção à
independência econômica.
Nos
EUA, por exemplo, os jornais, que até 1830 prestavam
serviços a partidos políticos, passam a vender
a notícia a um público e "vender o seu público
a anunciantes interessados em aumentar a venda de seus próprios
produtos" (LINS DA SILVA, 1991, p. 61). [2] "Durante
o século XIX, sobretudo com a criação de
um novo jornalismo - a chamada penny press - os jornais
são encarados como um negócio que pode render
lucros, apontando com objetivo fundamental o aumento das tiragens"
(TRAQUINA, 2004b, p. 34).
A
expansão da imprensa comercial está intimamente
atrelada ao próprio desenvolvimento da economia de mercado
e foi possível por uma série de fatores e alterações
que ocorreram na sociedade naquele período. Entre os
fatores de base material estão os avanços tecnológicos
- como o aperfeiçoamento das rotativas, que aumentou
a capacidade de tiragens e diminuiu o tempo de impressão;
e o aperfeiçoamento da fotografia (GENRO FILHO, 1987).
Também o telégrafo, e sua capacidade de transmissão
de informação para pontos distantes, vai ser um
elemento determinante, por exemplo, para o desenvolvimento das
agências de notícias, como a poderosa Reuters,
criada em 1851.
O
jornalismo informativo também cresce em meio a uma nova
dinâmica social. Seu desenvolvimento está diretamente
relacionado a certos fenômenos observados nesse estágio
das sociedades industriais capitalistas, como o crescimento
da população urbana. Com o processo de urbanização
das cidades, os jornais vão tornar-se um importante produto
de consumo, especialmente nos grandes centros. Percebendo as
necessidades de informações desse novo público,
os jornais paulatinamente aumentam suas tiragens, oferecendo
produto de baixo preço, como ênfase em notícias
de atualidade.
A
alfabetização das camadas populares, a partir
da criação e expansão de serviços
educacionais públicos, também foi um aspecto decisivo
para a conquista de novos leitores. (TRAQUINA, 2004b). Dentro
de uma sociedade capitalista, o jornalismo cresce com base na
indústria moderna, e com a proposta de um jornalismo
informativo, que atendesse as demandas de informação
por parte da sociedade, diversificando de forma crescente seu
conteúdo.
No
campo político, a conquista de direitos fundamentais
como a liberdade, e o conseqüente desenvolvimento de governos
democráticos lançam as bases para a definição
do papel do jornalista na sociedade (TRAQUINA, 2004a). Apoiados
na liberdade de imprensa, os jornalistas vão se afirmar
como os agentes responsáveis por levar à população
as informações necessárias para o exercício
de sua cidadania, além de vigiar os poderes instituídos,
depois de séculos de absolutismo.
Para
Traquina (2004b), a relação entre jornalismo e
democracia é uma relação simbiótica,
na qual a liberdade aparece como valor central. Esse valor oferece
legitimidade à atividade jornalística, enquanto
um negócio em expansão. É partir da consolidação
de governos democráticos que o jornalismo, como atividade
industrial e comercial, também experimenta desenvolvimento.
O
jornalismo enquanto atividade remunerada desenvolveu-se durante
o século XIX, na seqüência de um processo
complexo de industrialização da sociedade, escolarização,
urbanização, avanços tecnológicos
e a implantação de regimes políticos onde
o princípio da liberdade de imprensa se tornou sagrado
(TRAQUINA, 2003 p. 26-27).
A
profissionalização da atividade e a definição
de papéis
O
aumento da comercialização dos jornais, sobretudo
a partir do século XIX, teve como reflexo o crescimento
do número de pessoas trabalhando na atividade. É
nesse contexto de desenvolvimento da imprensa que ocorre no
campo jornalístico a divisão do trabalho e surgem
figuras como a do repórter. Configurados como um grupo,
os jornalistas começam a buscar maior autonomia e estatuto
social, definindo valores e normas sobre o seu papel na sociedade
e delineando as representações da identidade profissional.
Recorrendo à Traquina (2004b), podemos afirmar que, de
forma geral, dois processos marcam a evolução
da atividade jornalística no mundo ocidental: o aumento
da comercialização dos produtos jornalísticos
- as notícias - e a profissionalização
dos trabalhadores da imprensa.
A
luta pela profissionalização foi acompanhada pela
formação de organizações, como sindicatos
e associações de jornalistas, a criação
de códigos deontológicos e o desenvolvimento do
ensino de jornalismo em espaços universitários,
em particular na segunda metade do século XX (TRAQUINA,
2004a). [3] Esse movimento caminhou na tentativa de
afirmação de uma autoridade profissional, de competências
específicas para os agentes do campo, que reivindicavam
um monopólio de conhecimentos e saber especializado:
a produção da notícia.
Os
jornalistas foram buscando melhor estatuto social estabelecendo
"os princípios do seu trabalho e os fundamentos
das normas que os legitimam ante a sociedade (...)" (MONTERO,
1993, apud SOUZA, 2002, p. 27). A emergência da atividade
como profissão se traduziu na emergência de uma
identidade profissional, compartilhada pelos membros do grupo.
Isto é, os jornalistas foram definindo um conjunto de
papéis, na tentativa de demarcar a própria representação
de sua posição na sociedade.
Para
alcançar legitimidade, essa definição precisou
não apenas ser partilhada pelos agentes do campo como
reconhecida por outros grupos sociais. Os jornalistas tentaram,
então, convencer a sociedade a sancionar sua autoridade
enquanto produtores de notícias, procurando provar que
a necessidade do exercício dessa atividade é de
inquestionável importância social.
Segundo
Traquina (2003, p. 26-27), foi crucial para a existência
de uma identidade jornalística, a "formação
de ideologias justificativas (Elliot, 1978:189), tais como a
noção de imprensa livre, o jornalismo como Quarto
Poder, que definiram um ethos [4] próprio para
os jornalistas, nomeadamente o de um comunicador desinteressado",
servidor do interesse público e da verdade.
O
desenvolvimento de códigos deontológicos é
um aspecto particularmente importante nesse processo [5]
de definição de normas, deveres e valores
do jornalismo. Vale ressaltar que esses códigos sustentam
de forma vigorosa o aspecto virtuoso que os agentes do campo
querem atribuir à atividade, definindo o dever-ser do
jornalista a partir de princípios altruístas (como
o compromisso com a verdade e a sociedade).
Com
a profissionalização dos jornalistas ao longo
dos séculos XIX e XX, foram estabelecidos valores como
a objetividade, a independência, a verdade, bem como a
elaboração de normas que constroem os contornos
de representações profissionais bem definidos
do "bom" ou "mau" jornalista. A ideologia
jornalística e a sociedade fornecem igualmente um ethos
que define para os membros da comunidade jornalística
que o seu papel social é de informar os cidadãos
e proteger a sociedade de eventuais abusos do poder, ou seja,
toda a concepção do jornalismo enquanto contrapoder.
O
ethos jornalístico tem sido determinante na elaboração
de toda uma mitologia que encobre a actividade jornalística
e que não só marca os próprios profissionais
do campo jornalístico como também tem sido projectado
no imaginário coletivo da própria sociedade (TRAQUINA,
2003, p. 123).
As
representações da identidade profissional
Servidor
do interesse público, vigilante dos poderes instituídos,
mediador imparcial entre o público e a verdade, defensor
da independência, liberdade e pluralidade. Essas são
algumas das representações da identidade profissional
no campo jornalístico, que foram ganhando contorno durante
o desenvolvimento do jornalismo informativo.
Muitos
desses princípios, influenciados por postulados iluministas
(MORETZSOHN, 2002), levam crer que o profissional da imprensa,
ao fazer uso de critérios objetivos, seria capaz de revelar
os fatos, sem a prevalência de interesses de qualquer
ordem, que não os do próprio público. Traquina
(2003) lembra que a ideologia jornalística ainda hoje
está impregnada pelos valores da teoria do espelho, que
reforçam o papel dos jornalistas como o de simples mediadores
imparciais entre o público e o real, que retratam o acontecimento.
O
princípio da objetividade no jornalismo está conectado
ao próprio movimento de transformação do
jornal em mercadoria (SCHILLER, 1981, apud LINS DA SILVA, 1991).
Esse discurso torna-se estratégico na tentativa de legitimação
do capital simbólico do jornalista como "servidor
da verdade".
No
exercício de seu papel, o jornalista também é
apresentado como uma espécie de representante da sociedade,
porta-voz da opinião pública, defensor dos valores
democráticos, o que o levaria a ter um constante compromisso
com o "outro". Ou seja, nessa imagem, que destaca
o alto grau de responsabilidade social da profissão,
o público seria absolutamente priorizado em detrimento
dos interesses particulares dos agentes do campo. O ideal do
jornalismo como uma profissão voltada para o serviço
do público é um dos mais legitimados dentro do
campo e, em geral, aparece no discurso identitário desses
profissionais, que apresenta fortes componentes antimercado.
Uma
das maiores ofensas possíveis a um jornalista é
insinuar sua vinculação com outros interesses
que não sejam as do interesse público.
(...)
Como bem salienta Carlos Eduardo Lins da Silva, as razões
de mercado são "tidas como indignas por boa parte
dos jornalistas que condenam a própria existência
de uma sociedade de mercado" (BARROS FILHO, 2003b, p. 123-124).
Por
influência do modelo norte-americano, a imagem do jornalista
e do jornalismo no Brasil, assim como em outras democracias
ocidentais, também está sedimentada na crença
de um contrapoder. Nessa perspectiva, os agentes são
representados como cães de guarda (watchdog journalism)
dos poderes instituídos (Legislativo, Executivo e Judiciário),
fiscalizando os eventuais abusos por parte dos governantes e
fornecendo aos cidadãos informações relevantes
para o exercício de seus direitos. Essa visão
carrega todo um viés funcionalista e vê no jornalismo
uma forma de denúncia das irregularidades do sistema
e "aperfeiçoamento das instituições
democráticas" (GENRO FILHO, 1987, cap. I, p. 6).
[6]
Como
cão de guarda, o profissional da imprensa teria "uma
espécie de "missão cívica" ("heróica")
a desempenhar" (SOUZA, 2002, p. 87). [7] "Em
qualquer época, uma das funções principais
do Jornalismo é a de fiscalizar os poderes públicos
e é o repórter o encarregado desta tarefa",
defende Ricardo Kotscho (1986, p. 34).
Apoiado
nos valores de uma imprensa livre e independente, o jornal,
na visão ocidental, funcionaria também, teoricamente,
"como uma espécie de ágora, ou seja, como
uma espécie de espaço público onde se ouviriam
e, por vezes, onde se digladiariam as diferentes correntes de
opinião" (SOUZA, 2002, p. 33).
Nesse
espaço apresentado como plural, o jornalista ocuparia
o papel do mediador, responsável por assegurar a representatividade
dos mais diferentes grupos sociais. "A dimensão
pública do jornalismo exige que, na informação,
esteja presente a pluralidade de versões e a maior transparência
possível da realidade, mediada pelo profissional",
define Karam (1997, p. 103).
Num
movimento menos formalizado, ou seja, presente no discurso de
alguns agentes do campo e não no formalismo dos deveres
e regras de conduta, a identidade profissional também
construiu, ao longo dos anos, a imagem do jornalista como sendo
um intelectual, alcunha que, como afirma Bourdieu, os jornalistas
"ardem por classificar-se" (BOURDIEU, 1997, p. 66).
Alguns, mais românticos, chegam a considerá-lo
um processo criativo que dialoga com a arte, com o ofício
de um escritor. [8]
Abramo
(1988 apud RIBEIRO, 2001, p. 189), por exemplo, afirma que existe
uma forte relação entre jornalismo e literatura.
"Fazer jornal é um processo de criação
artística misturado com lógica e racionalidade
(...) O jornalismo é uma atividade humanística,
e aí entra a criação".
Sabemos
que algumas dessas representações são freqüentemente
tensionadas e não encontram legitimidade nas condições
objetivas de produção do jornalismo na sociedade
contemporânea. Entretanto é interessante notar
como essas imagens, que configuram a identidade profissional,
ainda aparecem, com variação de intensidade, em
códigos deontológicos, manuais de redação
e no discurso dos próprios agentes do campo.
A
representação (mental) que o grupo se faz de si
mesmo só pode se perpetuar no e pelo trabalho incessante
de representação (teatral) pelo qual os agentes
produzem e reproduzem, na e pela ficção, a aparência
ao menos de conformidade à verdade ideal do grupo, a
seu ideal de verdade (BOURDIEU, 2004, p. 18).
Ganhos
simbólicos
Podemos
considerar que, ao longo da história, os jornalistas
construíram seu discurso identitário estabelecendo
um sentido de vinculação com a profissão
a partir do compromisso com um nobre mandato. De certa forma,
essas representações conferiram ganhos simbólicos
e reconhecimento aos agentes do campo jornalístico, legitimando
o lugar diferenciador dos profissionais da imprensa no conjunto
social.
A
construção da identidade se faz no interior de
contextos sociais que determinam a posição dos
agentes e por isso mesmo orientam suas representações
e suas escolhas. Além disso, a construção
da identidade não é uma ilusão, pois é
dotada de eficácia social, produzindo efeitos sociais
reais (CUCHE, 1999, p. 182).
A
identidade ao mesmo tempo em que vincula os membros de um grupo
sob determinado ponto de vista também os distingue de
outros grupos sociais, ou seja, a identidade é ao mesmo
tempo um processo de inclusão e exclusão. "A
identidade permite que o indivíduo se localize em um
sistema social e seja localizado socialmente. (...) Todo grupo
é dotado de uma identidade que corresponde a sua definição
social, definição que permite situá-lo
no conjunto social" (CUCHE, 1999, p. 177). Nessa perspectiva,
como aponta Pierre Bourdieu (1997, p. 53), os jornalistas vivem
e continuam a reivindicar o status de um trabalho que seria
dono de uma aura particular, "não como os outros".
É
preciso notar que os grupos empenham muita energia buscando
a valorização social de sua identidade e a imposição
das representações que fazem de si mesmo, investindo
"nas lutas de classificação todo o seu ser
social" (BOURDIEU, 1980b, apud CUCHE, 1999, p. 190). Ou
seja, há aí todo um movimento de lutas simbólicas
em busca de reconhecimento. Nesse sentido, é exemplar
o esforço desencadeado pelos jornalistas a partir do
processo de profissionalização da atividade.
Embora
seja razoável admitir que hoje exista um posicionamento
mais pragmático e menos ideológico dentro das
redações, marcadas cada vez mais pelo compasso
industrial, acreditamos que a identidade profissional dos jornalistas
continua perpassada e atualizada por uma série de funções
e papéis sociais. Entre as quais, algumas discutidas
neste artigo.
De fato, nas últimas décadas, o caráter
empresarial da imprensa ganhou maior agressividade e visibilidade.
Entretanto,
é preciso notar que a concepção de jornalismo
de mercado não é atual. Ela acompanha a própria
história e nascimento do chamado "jornalismo informativo".
Desde então, a atividade é configurada como um
negócio e as notícias como mercadorias, que alimentam
o desenvolvimento de empresas altamente lucrativas (TRAQUINA,
2004b).
"Na
verdade, a lógica dos processos de mídia associa-se,
desde o século XIX, à dinâmica da vida
norte-americana, assim definida pelo presidente Calvin Coolidge:
"O negócio dos Estados Unidos são os negócios"
(SODRÉ, 2002, p. 28).
Ou
seja, os valores e representações que integram
a ideologia profissional e que deram contorno à identidade
dos jornalistas surgiram com o desenvolvimento da imprensa comercial.
Embora estejam em permanente tensão, esses dois pólos
do campo jornalístico (ideológico e econômico)
historicamente têm convivido juntos (obviamente, para
os jornalistas, essa convivência nem sempre é pacífica).
O
fato de o jornalismo ter assumido mais agressivamente seu caráter
comercial nas últimas décadas não anula
o pólo ideológico, atualizado no discurso identitário
dos agentes do campo.
Considerações
finais
A
partir do desenvolvimento comercial do chamado jornalismo informativo
e da profissionalização da atividade nas sociedades
ocidentais, foi ganhando contorno um conjunto de valores e representações
sobre o papel social da imprensa e dos jornalistas, que contribuiu
para a formação da identidade profissional desses
agentes. Com essas definições, os jornalistas
tentaram demarcar e legitimar a importância de sua atividade
na sociedade.
Podemos
concluir que os grupos sociais, em geral, tendem a construir
- de maneira mais ostensiva ou discreta - representações
idealizadas sobre si mesmo e investem significativamente nessas
lutas por classificação.
Entretanto,
o jornalismo se destaca, dentro desse movimento de lutas simbólicas,
pelo conjunto de imagens criadas em torno da identidade de seus
agentes, colaborando para a presença, neste campo, de
uma rica ideologia profissional, apoiada em valores nobres da
sociedade, como a verdade e a liberdade.
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Notas
[1]
Utilizamos a noção de campo tal qual definida
por Pierre Bourdieu (1997, p. 55) como um espaço social
estruturado por posições sociais, "um microcosmo
que tem leis próprias e que é definido por sua
posição no mundo global". Esse espaço
é também um campo de forças, concorrência,
cooperação, dominação e lutas simbólicas.
[2]
No Brasil, esse processo ocorre com atraso, quando comparada
à dinâmica do jornalismo norte-americano. Segundo
Lins da Silva (1991), todos os jornais brasileiros durante o
século XIX ainda eram veículos de plataforma de
governo e opiniões de grupos, mantidos sem a intenção
de lucro e dirigidos a uma pequena elite. A consolidação
do jornalismo brasileiro como empresa, até a segunda
metade do século XIX, foi marcada por fragilidades, de
acordo com o teórico.
[3]
No Brasil, os cursos de jornalismo expandiram-se a partir de
1969, com a regulamentação da profissão
de jornalista, que tornou obrigatório o diploma universitário
para o exercício da atividade. Segundo Lins da Silva
(1991), a criação desses cursos contribuiu para
disseminar valores e técnicas do jornalismo norte-americano.
[4]
Sodré (2002) define o ethos como "a consciência
atuante e objetivada de um grupo social". Segundo o teórico,
na concepção grega da palavra, ethos adquire tanto
o sentido de habitar - a forma de vida e a maneira de agir de
um grupo social - quanto das condições, normas,
valores, hábitos e ações práticas
que os agentes executam repetidamente num determinado espaço
social.
[5]
Preocupações dessa natureza começaram a
existir no final do século XIX, mas se desenvolveram
sobretudo a partir do século XX. O primeiro código
deontológico de jornalismo foi escrito em 1900 na Suécia,
mas adotado apenas em 1920. Em nível internacional, foi
apenas em 1939 que a Federação Internacional de
Jornalistas adota um código profissional (TRAQUINA, 2004a).
[6]
O modelo funcionalista proposto por Lasswell (1985) vê
no controle e vigilância sobre o meio ambiente algumas
das funções dos meios de comunicação
na sociedade. A mídia, nessa perspectiva, deve zelar
pelo bom funcionamento das partes que compõem o sistema.
[7]
Na citação, Souza (2002) refere-se ao jornalismo
praticado em Portugal, mas transferimos a fala ao contexto brasileiro,
sabendo da influência exercida pelo modelo norte-americano
também no Brasil.
[8]
A aproximação da reportagem com a literatura foi
fomentada com o chamado "New Journalism", movimento
que teve início nos EUA na década de 60. Nomes
como Truman Capote, Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer, entre
outros, influenciaram toda uma geração de profissionais,
utilizando recursos literários e novas técnicas
expressivas no relato jornalístico. As críticas
às regras da objetividade, nos EUA, ganharam ressonância
a partir deste movimento (BARROS FILHO, 2003a).
*Michelle
Roxo de Oliveira é mestranda do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação, da área de concentração
em Comunicação Midiática, da Faculdade
de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP/Campus
de Bauru.
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