Artigos
Jornalismo
Investigativo na ótica uspiana
Por
Prof. Dr. José
Coelho Sobrinho
Lembro-me de ter lido, em alguma revista brasileira, um artigo
do Gabriel García Márquez que me fez reter uma
frase que, no meu entender, é um princípio para
o bom jornalismo. Ele escrevia mais ou menos o seguinte: "a
melhor notícia nem sempre é a que se dá
primeiro, mas muitas vezes a que se dá melhor".
Está
máxima caminha na contramão do moderno jornalismo
on-line, ávido pelo tempo real, mas justifica uma modalidade
de reportagem que está adquirindo cada vez mais importância
no jornalismo de referência, conhecido por jornalismo
investigativo.
Ainda
que muitos contestem essa denominação, é
uma atividade que em todo mundo recebe o mesmo título,
motivo porque obras e associações de profissionais
que se dedicam ao seu estudo empregam-na como a forma mais concreta
de comunicar essa pratica jornalística.
O
jornalismo investigativo não é novidade porque
toda a atividade jornalística o é. Mas a prática
de uma forma enfática de levantar o tema, produzir a
pauta, buscar metodologia específica para captar as informações,
checar documentos, antecipar defesa para o caso de contestação
e, principalmente, depurar a coleta, é uma técnica
que esta sendo aprimorada e disseminada no meio através
de livros, workshops, congressos e outras formas de discussão
a respeito do assunto.
Em
novembro do ano passado, em um evento ocorrido na Universidade
de São Paulo, um grupo de jornalistas deu os primeiros
passos para a fundação da Abraji (Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo), entidade que já
está em pleno funcionamento, disseminando técnicas
por meio de cursos ministrados em várias regiões
brasileiras e, principalmente, divulgando entre os seus associados
as atividades dos jornalistas investigativos de todo o mundo.
Sua ligação desde a concepção com
a IRE (Investigative Reporters and Editors) e com o Centro Knight
para o Jornalismo nas Américas (da Universidade do Texas,
Austin) fez com que a instituição queimasse etapas
absorvendo de imediato todas as técnicas desenvolvidas
pelos jornalistas e pesquisadores pertencentes à IRE.
Essa
forma de fazer jornalismo também mereceu a atenção
da academia. Os professores Dirceu Fernandes Lopes e José
Luiz Proença, do Núcleo de Estudos de Jornalismo
Comparado, ligado ao programa de Pós-Graduação
em Ciências da Comunicação da Escola de
Comunicações e Artes da USP organizaram um livro
com o título Jornalismo Investigativo, lançado
no começo do mês de novembro pela Editora Publisher
Brasil.
A
obra reúne artigos dos professores e dos pós-graduandos
(mestrandos e doutorandos) de disciplina ministrada em 2001
sobre Jornalismo Investigativo. Ela contém ensaios dos
dois docentes e da doutoranda Mariângela Haswani, que
se incumbem da teoria do estado da arte da "especialidade"
e entrevistas com alguns dos mais conhecidos jornalistas investigativos
do Brasil.
O
jornalista Raimundo Pereira, entrevistado por Neide Vieira de
Siqueira e Raimunda Maria Rodrigues Santos, entende que "a
definição dos caminhos para a investigação,
que resultará na matéria, deve ser responsabilidade
da equipe de redação". O "pai da imprensa
alternativa", em seu depoimento, relata algumas das estratégias
usadas pela revista Realidade para tornar a matéria mais
agradável.
O
jornalismo apaixonado de Ricardo Kotscho foi captado por Marcela
de Matos Batista. Do alto de seus quase 40 anos de profissão,
Kotscho revela que "o ramo da reportagem mais difícil
e, talvez por isso mesmo, o mais fascinante é o das chamadas
matérias investigativas". O atual assessor do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva reclama que atualmente o repórter
de posse de uma boa pauta tem de saber vende-la para o editor,
convencendo-o da necessidade de uma viagem, de mais prazo e
mais espaço.
Oposto
ao jornalismo investigativo está o jornalismo reverberativo,
afirma José Arbex Jr. na entrevista concedida à
mestranda Sonia Padilha, condenando as matérias que são
construídas a partir de uma declaração
oficial sem a preocupação de apuração
minuciosa.
Mino Carta já escreveu que considera Bob Fernandes um
repórter diferenciado. E é este "repórter
à moda antiga" que foi entrevistado por Rogério
Christofoletti para o livro. Para Bob o termo "jornalismo
investigativo" é rótulo, é marketing,
e deve ter aparecido para diferenciar o jornalismo sério
de outras manifestações.
"Se
deixar na minha frente, eu pego mesmo. Já pequei documentos
em gabinete de primeiro ministro, da mesa de delegado... não
tenho nenhum pudor em obtê-los". Essa apuração
jornalística não ortodoxa é declarada como
dentro de limites éticos por Antonio Carlos Fon. Entrevistado
por Ângela da Costa Cruz Merkx, além de revelar
algumas técnicas, sugere leitura para os que pretendem
fazer bom jornalismo.
Gilberto
Nascimento, entrevistado por Renato Rovai, diz que mesmo quando
está junto das mesas dos bares que freqüenta não
dá as costas para o lugar público porque jornalista
não deve desligar o seu espírito de observação.
E é esse espírito que evoca como uma das principais
armas do jornalista de investigação.
Fernando
Rodrigues lamenta não ter trabalhado com Cláudio
Abramo, mas orgulha-se de estar convivendo com profissionais
do porte de Clóvis Rossi e Jânio de Freitas. Em
sua entrevista para Simone Moreira, além de contar as
suas experiências profissionais, lista questões
que devem ser checadas em qualquer matéria por um jornalista
responsável.
O
autor de Notícias do Planalto, Mario Sergio Conti, afirmou
a Mariângela Haswani que não aceita subterfúgios,
como disfarces, câmeras escondidas e outros instrumentos
para apurar uma matéria investigativa e revela a sua
técnica de trabalho.
Audálio
Dantas confessou a Edmundo Heráclito, que tinha medo
do que escrevia a respeito de pessoas envolvidas em denúncias
graves. Durante sua vida profissional buscou a precisão
e a clareza nos textos para não cometer injustiças
com interpretações equivocadas.
Jamildo
Melo disse a Mercês Cunha Alves e Rosângela Queiroz
que o jornalismo investigativo "não é para
qualquer um. Tem que ter preparo, tempo de estrada e, principalmente,
muita leitura", lamentando que boa parte dos jornalistas
não se dá para esse salutar hábito.
"O
fundamento do trabalho jornalístico é entender
a cabeça das pessoas, entender por que as pessoas se
comportam, como se comportam, e isso é basicamente entender
o ser humano. Esse deve ser o foco do todo bom repórter".
Essa opinião de William Waack, entrevistado por Antonio
Lúcio Rodrigues de Assiz, justifica sua aprovação
em relação ao uso de formas não rotineiras
para tornar público o que já existe, mas está
acobertado por comportamentos aceitos socialmente.
Roberto
Cabrini resumiu para Silmara Biazoto as técnicas usadas
para apurar as suas mais conhecidas matérias investigativas,
como o caso PC Farias, de Jorgina de Freitas, a maior fraudadora
da Previdência Social, e o mais recente, o do Boeing 254
da Varig.
Coube
a Samantha Konopczyk entrevistar Caco Barcellos. O autor de
Rota 66 procura fazer a distinção entre jornalismo
investigativo e jornalismo de dossiê e afirma que a reportagem
é o exercício da curiosidade, motivo porque o
jornalismo investigativo é uma característica
do profissional curioso.
Para
Mônica Teixeira, entrevistada por Francisco Redondo Periago,
o jornalismo investigativo começa pela pauta. Ela tem
de ser mais técnica e não um breve relato sobre
o tema escolhido.
A
reportagem investigativa no rádio é abordada por
Agostinho Teixeira, da Rádio Bandeirantes, em entrevista
a Lenize Villaça Régis e Selma Pereira Orosco.
O repórter entende que uma boa e responsável matéria
investigativa é obtida pela observação
de algumas etapas bem definidas e as comenta, exemplificando
com a sua prática.
O
livro faz parte do projeto do Núcleo de Estudos de Jornalismo
Comparado do Departamento de Jornalismo e Editoração
da ECA/USP, que com este já editou cinco livros-texto
sobre jornalismo, destinado ao ensino de graduação.
Os outros foram: Esporte e Jornalismo; A Edição
do Jornalismo Impresso; A Edição do Jornalismo
Eletrônico e a Evolução do Jornalismo em
São Paulo. Jornalismo Investigativo está em todas
as livrarias e é vendido por R$ 30.
Jornalismo
Investigativo, de Dirceu Fernandes Lopes e José Luís
Proença (orgs.), 210 pp., Editora Publisher Brasil, São
Paulo, 2003; <www.publisherbrasil.com.br>;
R$ 30.
*José
Coelho Sobrinho é Chefe do Departamento de Jornalismo
e Editoração da ECA-USP.
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