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Agenda setting e enquadramento
Algumas considerações sobre os estudos
de efeitos dos meios de comunicação
Por Debora Cristina Lopez*
RESUMO
As discussões sobre agendamento temático e enquadramento ainda são insipientes no Brasil. Os estudos em efeitos dos meios de comunicação no país ainda carecem de sistematização e desenvolvimento.
Pretendemos, com o presente artigo, apresentar um panorama das discussões e conceituações sobre essas duas abordagens das teorias da comunicação, apontando para uma convergência e complementaridade entre as duas linhas de estudos.
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Reprodução

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Para tanto, buscamos realizar um levantamento bibliográfico conceitual que busca apontar para a configuração do estado da arte da questão.
PALAVRAS-CHAVE: Teorias da Comunicação / Enquadramento / Agenda Setting
1. Introdução
Pensar em comunicação e efeitos da mídia abre distintos caminhos e possibilidades de linhas de estudos a seguir. Alguns desses caminhos podem ser vislumbrados como mais próximos do campo especificamente do jornalismo, como é o caso da hipótese do agenda setting e de suas aproximações com o enquadramento.
O presente texto pretende realizar uma revisão de literatura que aponte para alguns pontos de convergência entre estas áreas. As discussões iniciais trazem, portanto, autores e conceitos que tratam de agendamento, em seu primeiro e segundo nível.
Em um segundo momento desse artigo, retomamos, de maneira mais breve, alguns estudos de enquadramento, com o objetivo de apontar para sua convergência – ou não – com o agenda setting de segundo nível. Nas considerações finais, buscando coordenar de maneira mais pontual os elementos discutidos até então, apontamos potenciais aplicações e aproximações desses dois instrumentais teórico-metodológico com os estudos em jornalismo.
2. O estado da arte
A pesquisa em comunicação começou a se desenvolver na década de 20. Nesse período os estudos analisavam os processos de comunicação de uma maneira mais ampla e buscavam iniciar ou sistematizar as discussões acerca do tema.
Começando com a teoria hipodérmica, as teorias experimentais ou de persuasão, a teoria funcionalista, a teoria estruturalista, a teoria crítica da Escola de Frankfurt e, posteriormente, as teorias culturológicas, os cultural studies e as teorias comunicativas (Wolf, 1999; Hohlfeldt, 1997; Mattelart, 2000). Neste período, os pesquisadores de comunicação dividiam-se em dois grupos fundamentais: os americanos, com a Escola de Chicago, e os europeus, com a Escola de Frankfurt (Wolf, 1999).
Os estudos desenvolvidos nos Estados Unidos pelos funcionalistas buscavam analisar as funções dos meios de comunicação e seus efeitos sobre a audiência. A proposta da teoria hipodérmica, por exemplo, via a audiência como um alvo amorfo, que não reage aos estímulos, mas simplesmente os aceita. Mattelart (2000) ressalta a importância das pesquisas de Lasswell em relação aos efeitos da propaganda de guerra nesse período.
Segundo Mauro Wolf (1999), a guerra foi responsável pelo desenvolvimento intenso, nesse período dos estudos sobre processos comunicativos e meios de comunicação, principalmente no que se refere aos efeitos da mídia. “Esta teoria ficou em grande evidência até o início dos anos 40, quando Paul Lazarsfeld começa a defender que os efeitos dos meios de comunicação são limitados” (Cf. Colling, 2001, p. 89-90).
Até a década de 70, os estudos de comunicação contavam fundamentalmente com teóricos e estudiosos de áreas afins. Autores de psicologia, sociologia e até matemática estudavam os meios de comunicação e sua ação na sociedade. A partir dos anos 70, um novo cenário se configura. Segundo Hohlfeldt (1997) é nesse período que os estudiosos passam a agir de maneira mais colaborativa, a se comunicar mais, e, com isso, dar um novo encaminhamento às pesquisas.
Desse momento em diante, passa-se a aceitar a intersecção entre os estudos, a criação de hipóteses que seriam desenvolvidas a partir do trabalho de vários acadêmicos. Neste período surgem a publicística na Alemanha e na Itália, a midiologia na França e os communication research nos Estados Unidos. A alteração central no campo da pesquisa dos processos comunicativos é que agora os autores “[...] buscavam o cruzamento das diferentes teorias e, muito especialmente, de múltiplas disciplinas [...]” (Cf. Hohlfeldt, 1997, p. 42).
Neste contexto de contraposições e interação nas pesquisas, surgem os estudos de agendamento. A formalização do agendamento como hipótese é precedido de alguns estudos, que, segundo Dearing e Rogers (1992), são cruciais para sua configuração.
Antes de McCombs e Shaw definirem e nominarem o agenda setting, Walter Lippmann, Paul Lazersfeld, Roberto Merton, e Bernard Cohen contribuíram com o desenvolvimento teórico e metodológico do paradigma do agendamento. Depois de 1972, os autores responsáveis pelas principais inovações no processo de desenvolvimento e revisão da hipótese são Roger Cobb, Charles Elder, Ray Funkhouser, Shanto Yiengar e Donald Kinder. “As hipóteses [1] do agenda-setting fazem parte dos estudos norte-americanos em comunicação, pertencentes ao paradigma funcionalista, que reúne pesquisas preocupadas em analisar e detectar as funções dos meios e os efeitos causados sobre a audiência” (Cf. Colling, 2001, p. 89).
Esses temas colocados em destaque nos meios de comunicação durante o processo de agendamento, que são pautados pelos meios de comunicação, são definidos, segundo Dearing e Rogers (1992), como um problema social, às vezes conflitante, que recebe a cobertura dos meios de comunicação, temas que possuem um valor que normalmente pode ser utilizado como uma vantagem política.
O marco desse campo de investigação é o clássico estudo de Chapell Hill, produzido por Maxwell McCombs e Shaw em 1968. Os autores trazem como uma justificativa para a realização de seu estudo uma das características da sociedade contemporânea: as informações às quais os sujeitos têm acesso são, em sua maioria, mediadas.
Essa mediação – potencializada pelo desenvolvimento das tecnologias e sua presença no cotidiano – pode ser estabelecida tanto pelos meios de comunicação quanto por outros sujeitos. "Enquanto as evidências de que os meios de comunicação mudam profundamente as atitudes em uma campanha está longe de ser conclusiva, a evidência mais forte é de que os eleitores aprendem com a imensa quantidade de informações disponíveis durante cada campanha" (Cf. McCombs; Shaw, 1972, p. 176).
Em seu estudo, eles retomam discussões anteriores sobre efeitos dos meios de comunicação, remontando a Lang e Lang, Trenaman e McQuail e Berenson. Esses pesquisadores, segundo McCombs e Shaw, já consideravam a capacidade de aprendizado e absorção de informações por parte da audiência. Entretanto, especificam que a questão do agendamento foi abordada, ainda que de maneira breve, por Lang e Lang, ao tratarem da construção da imagem pública das figuras políticas.
Lang e Lang sugeriram, em um estudo realizado em 1984, que os resultados de pesquisas de intenção de voto podem reforçar a opinião predominante, um processo similar à espiral do silêncio do Noelle-Neumann [2] (Cf. Hardy; Jamieson, 2005). A pesquisadora alemã destaca que a mídia é uma “eficiente modificadora e formadora de opinião pública. Em especial, como as pessoas tentem, naturalmente, a prestar atenção às opiniões e a amoldar-se às opiniões do meio” (Cf. Trein, 2005, p. 05).
Neste sentido, a hipótese apresentada por McCombs e Shaw (1972) é de que os meios de comunicação podem determinar o agendamento de campanhas políticas, influenciando a saliência de algumas atitudes em relação a determinados temas.
Os autores utilizaram, na pesquisa, 100 questionários aplicados a eleitores escolhidos entre os que ainda se mantinham indecisos em relação a em quem votar nas eleições que envolviam Hubert Humprey e Richard Nixon (McCombs; Shaw, 1972). Os temas elencados pelos entrevistados foram cruzados com temas agendados pelos meios de comunicação com maior público da cidade e, com base nos resultados obtidos, os autores chegaram à conclusão de que a cobertura dos meios de comunicação influenciou os eleitores de maneira significativa.
O estudo pioneiro de McCombs e Shaw (1972), entretanto, não é o primeiro a se inserir nesse campo. “Because so many people use the media to help them sort throught important political issues before they vote, scholars have spent nearly 60 years studying the effect os mass media communication on voters” (McCombs; Reynolds, 2002). Os autores inspiraram-se em Lippmann. A perspectiva do autor na sua obra Public Opinion, de 1922, é fundamental para a construção e a consolidação do agendamento.
O próprio McCombs afirma ser Lippmann o pai intelectual da hipótese do agenda setting (apud Hohlfeldt, 1997). Segundo Hohlfeldt (1997) a inovação de McCombs e Shaw em relação aos estudos anteriores é concluir que os meios de comunicação influenciam não somente o público, mas também os próprios candidatos, que incluíam em suas agendas temas antes ignorados por eles, mas que foram agendados pela mídia e, dessa forma, acabaram sendo observados também pelos candidatos. O autor refere-se a dois estudos:
a) o clássico de Chapel Hill, desenvolvido em uma cidade pequena e conservadora e, por isso, questionado em certa medida e
b) a reprodução do estudo de Chapel Hill em Charlotte Ville, uma cidade maior, com 354 mil habitantes, em expansão e explosão demográfica, com muitos residentes que vinham de fora e, portanto, menos influenciada pelo perfil conservador.
O segundo estudo, ao contrário do que os críticos da investigação de Chapel Hill esperavam, reiterou a hipótese proposta anteriormente. Estudiosos contemporâneos seguem desenvolvendo pesquisas na área de efeitos da mídia, fundamentalmente agenda setting e, em grande parte dos estudos, aplicados à comunicação política e eleitoral. Hardy e Jamieson (2005) analisam através de cruzamentos de dados, os efeitos dos meios de comunicação em relação à saliência da característica “teimosia” em George W. Bush na campanha eleitoral de 2004.
Eles discutem que, com o uso constante e repetido de "teimosia" para definir o presidente George W. Bush, o desafiante democrata John Kerry pode ter definido a inserção dessa característica na sondagem de intenção de voto do Los Angeles Times no verão de 2004. Para os autores, o link entre Bush e o termo foi fortalecido através de um efeito de agenda setting detectado em junho deste ano.
Os autores concluem, neste estudo, que não há diferença entre os números referentes à teimosia de Bush entre os usuários dos meios de comunicação antes do lançamento da sondagem do Los Angeles Times. Entretanto, na amostra posterior à sondagem, pode-se perceber a existência de distinções significativas entre os ‘usuários pesados e os usuários leves de mídia’. Assim, eles confirmam a hipótese proposta.
Primeiro, os ‘usuários pesados e leves’ da amostra anterior à sondagem não diferem ao ranquear Bush como teimoso. Depois do lançamento da sondagem, usuários pesados e leves diferem. Ainda assim, embora o agendamento esteja caracterizado, não foram identificadas conexões diretas entre o voto e os efeitos de mídia. Hardy e Jamieson (2005) destacam que mesmo com esse resultado é fundamental considerar que os efeitos de priming não foram necessariamente inconseqüentes neste caso.
3. Características do agendamento
Agenda-setting offers as explanation of why information abaout certain issues, and not other issues, is available to the public in a democracy; how public opinion is shaped; and why certain issues are adressed throught policy actions while other issues are not. The study of agenda-setting is the study of social change and of social stability (Dearing; Rogers, 1992).
Segundo Colling (2001), o agendamento tem como pressuposto básico a compreensão de que os meios de comunicação são responsáveis pelo fornecimento de uma realidade social para a audiência. Essa atribuição se daria por empréstimo. Desta forma, os meios de comunicação agiriam como determinantes sobre o que discutir, sobre quais temas agendar.
Como dito anteriormente, os estudiosos de comunicação não são unânimes em relação ao desenvolvimento das perspectivas teóricas. Paul Lazersfeld, ao contrário de McCombs, acredita que uma intensa exposição à mídia está associada a um grande interesse por política. Assim, para esse autor, a exposição aos meios de comunicação seria uma forma de reiterar opiniões já existentes (Colling, 2001).
Hohlfeldt (1997) aponta para os pressupostos básicos da hipótese do agendamento.
Para o autor, elementos como o fluxo contínuo de informação, a influência a médio e longo prazo e a relevância dos temas compõem a base dos estudos de agenda setting. Para o autor, o fluxo continuo de informação origina o que McCombs chama de efeito de enciclopédia – que pode, ou não, ser provocado pela mídia. Esse efeito seria uma resposta ao caos gerado pelo intenso fluxo de informações presente na sociedade contemporânea. O objetivo desse caráter enciclopédico assumido pelos meios de comunicação é organizar e atualizar as informações apresentadas em fluxo incessante à audiência.
O efeito de enciclopédia é potencializado com o advento da internet e o aumento do uso da hipertextualidade e da memória pelos meios de comunicação on-line. Mas mesmo nos meios de comunicação que não estão na rede o efeito pode ser dar, propositadamente ou não, no momento em que o jornalista remonta a um frame presente na mente do público, contribuindo, então, para a perspectiva da cognição. [3] Ainda em relação à essência do agendamento.
Hohlfeldt (Cf. 1997, p. 43) ressalta que os efeitos dos meios sobre a audiência não se estabelece a curto prazo. “deve-se levar em conta não apenas o lapso de tempo abrangido por uma determinada cobertura jornalística quanto, muito especialmente, o tempo decorrido entre esta publicidade e a concretização de seus efeitos em termos de uma ação conseqüente por parte do receptor”. Desta forma, surge aqui uma preocupação metodológica para os estudos de agendamento e, posteriormente, de enquadramento.
As amostragens, pesquisas empíricas e investigações devem, necessariamente, abranger períodos mais longos para que os efeitos dos meios de comunicação possam ser observados e identificados através delas. Este é mais um dos motivos pelos quais os estudos experimentais, realizados em laboratório, sofrem críticas de alguns estudiosos.
Com a necessidade de observação de efeitos a médio ou longo prazo, as pesquisas experimentais ficam, no mínimo, dificultadas. Sobre a terceira característica essencial do agendamento, Hohlfeldt (Cf. 1997, p. 44) afirma que “dependendo dos assuntos que venham a ser abordados – agendados – pela mídia, o público termina, a médio e longo prazos, por incluí-los igualmente em suas preocupações”. Chega-se, então, a esta que é a proposição central da hipótese do agenda setting.
Metodologicamente, como é possível perceber, o agendamento ainda não está definido. Os estudos desenvolvidos abordam três caminhos possíveis:
1) os que buscam estabelecer a agenda do público;
2) os que buscam o estabelecimento da agenda pública (policy agenda setting);
3) os que buscam a construção da agenda (agenda building) (Cf. Colling, 2001).
Para uma distinção mais clara entre essas perspectivas do agenda setting, pode-se afirmar que a primeira delas busca estabelecer o efeito da agenda informativa sobre o público, isto é, a influência que os meios de comunicação têm sobre a percepção da opinião pública sobre determinados temas, pautados pela mídia.
A segunda visão busca outro tipo de influência dos meios de comunicação, desta vez sobre as percepções dos representantes da população no sistema político. Essa linha aborda a agenda política e, principalmente, a alteração ou os efeitos sobre as políticas da sociedade. A terceira linha tem outro objetivo: detectar e estudar quem é responsável pela construção, pela determinação das agendas. Neste momento, o pesquisador busca detectar quais os sujeitos e/ou instâncias capazes de controlar a agenda e, com isso, manipular (ou tentar manipular) seus efeitos.
Essa variedade de linhas de investigação, de possibilidades metodológicas e de aplicações do agenda setting faz com que exista uma variedade de estudos e objetos observados à luz desse campo teórico. Considerando que na sociedade contemporânea as tecnologias integram o cotidiano e têm parte da responsabilidade pelo aumento constante no fluxo informativo, faz-se relevante aplicar os estudos de agendamento e enquadramento à comunicação digital e, fundamentalmente, à comunicação através da Internet.
Os estudos acerca desse tema têm se disseminado. Roberts et al (2002) buscaram aplicar a hipótese do agendamento à Internet e às novas formas de interação mediadas por computador, chegando a conclusões interessantes. Foram analisadas pelos autores as coberturas on-line de quatro temas por cinco veículos (The New York Times, The Associated Press, Reuters, Time Magazine e CNN) durante a campanha política de 1996. A análise baseou-se em três temas: imigração, cuidados com a saúde e impostos.
As conclusões indicam que somente para o aborto não houve um agendamento. Segundo os autores, a cobertura dos meios de comunicação aparentemente mune os indivíduos com informações que eles podem utilizar nas listas de discussão. A imprensa, assim, serviria como baliza para as discussões realizadas nas listas, confirmando a hipótese da agenda da mídia pautando a agenda pessoal de discussões.
Os autores resgatam as propostas da agenda setting, com McCombs e Shaw (1972). Entretanto, assim como apresentam, questionam, entre outras coisas, a possibilidade de manutenção dos pressupostos básicos do agendamento. E, buscam, portanto, na revisão de literatura, trazer, através de outros autores, contrapontos e revisões da teoria.
Roberts et al (2002) destacam uma especificidade do objeto em questão: que os usuários de internet podem usar os meios de comunicação para descobrir temas importantes que posteriormente irão discutir nas listas. Por isso, um ponto crucial, segundo eles, é a questão temporal: quanto tempo um tema permanece em destaque na cabeça das pessoas.
Para essa discussão, os autores referenciam estudos que remontam a uma memorização de semanas e até meses dos temas. Mas a relativização apresenta-se a seguir, já que todos esses estudos referem-se à mídia tradicional, e a memorização de temas discutidos em listas de discussão, segundo eles, é muito mais curta. Isso porque as pessoas não querem discutir em listas temas sobre os quais leram semanas antes.
4. Enquadramento x agenda setting
A versão mais recente da hipótese do agenda setting considera múltiplos objetos e seus características nas notícias. Menor atenção foi dedicada às conseqüências comportamentais do agenda setting e prioritariamente vê-se como limitada a capacidade de provar como o destaque de questões públicas influencia as atitudes acerca de figuras políticas. Kiousis e McCombs (2004) discutem, neste sentido, o agenda setting, e, mais especificamente, fortalecimento de atitudes e hierarquia de efeitos, sob uma perspectiva mais ampla.
Em relação às discussões mais gerais de agenda setting, os autores apresentam – e utilizam – os dois níveis da teoria. [4] Kiousis e McCombs (2004) acreditam que a atenção dada pelos meios de comunicação a temas políticos determina o critério de como os líderes governamentais são avaliados pela opinião pública. O agenda setting, segundo os autores, tem no destaque seu principal elemento. No primeiro nível essa linha de investigação avalia o próprio destaque e no segundo nível suas características, como afirmam Dearing e Rogers (1992).
O ponto principal no segundo nível é a consideração de que os objetos, nas noticias, têm vários traços e características que compõem a sua imagem. A partir dessa linha, o agenda setting passa a ser compreendido como uma perspectiva teórica que vai além da tematização. O destaque de objetos, segundo ele, seria o primeiro nível do agendamento e as características atribuídas aos objetos comporiam o segundo.
A mídia não só nos diz sobre o que pensar, mas também como e o que pensar sobre isso, e até o que fazer em relação a isso (Cf. McCombs; Estrada apud Kiousis; Mccombs, 2004, p. 38).
Para os autores, o agenda setting é um tipo de aprendizado social. Os sujeitos aprendem, então, sobre a relativa importância dos fatos na sociedade de acordo com a cobertura que estes recebem na mídia. Quanto maior a cobertura realizada pelos meios de comunicação, mais estreite e intensa seria a relação das pessoas com o fato.
Desta forma, o destaque de figuras políticas nos veículos acaba por gerar altos índices de destaque político dessas mesmas figuras, o que, por sua vez, traduz-se em um fortalecimento das atitudes políticas sobre eles. É importante observar que esse modelo é questionado porque presume um grande envolvimento da audiência e também uma ampla quantidade de informação está disponível sobre o objeto (Kiousis; McCombs, 2004).
O estudo de Kiousis e McCombs (2004) mostra-se interessante principalmente por considerar as falhas da hipótese do agendamento, como é o caso da não-possibilidade de avaliação de uma relação causal. Além disso, os autores trabalham com dados mais amplos do que em pesquisas anteriores, considerando o contexto informacional e a possibilidade de acesso aos dados sobre o objeto. Esta especificidade demonstra os distintos caminhos seguidos pelos estudos de efeitos dos meios de comunicação e de agenda setting especificamente.
Embora os estudos de agendamento tenham iniciado em 1968, com Chapel Hill, hoje figuram entre as correntes de investigação de efeitos dos meios de comunicação mais pesquisadas. As pesquisas, atualmente, desenvolvem-se também fora dos Estados Unidos, embora esse país ainda concentre um amplo volume de estudos sobre efeitos dos meios de comunicação.
A difusão e a troca de informações iniciada na década de 70 com os estudos de agendamento potencializa-se hoje, principalmente devido às facilidades de difusão de resultados propiciadas pela Internet. Na Espanha, por exemplo, Lopez-Ecobar et al (1998) reproduziram um estudo anterior nas eleições majoritárias da cidade de Pamplona, em Navarra.
Lopez-Escobar et al (1998), partem do estudo realizado anteriormente por Roberts e McCombs, [5] e estudam o agendamento na cobertura das eleições espanholas em 1995. Para isso, trabalham com o agendamento em primeiro e segundo níveis.
Primeiro, verificam a relação entre a agenda dos jornais impressos e dos jornais televisivos na Espanha e depois verificam duas agendas de características atribuídas ao objeto, a agenda substantiva e a agenda afetiva, como explicaremos a seguir. Para isso, os autores trabalham com a perspectiva do Intermedia Agenda Setting. Os estudos pioneiros nessa área abordam as relações entre agências de notícias internacionais e jornais diários. Outros estudos referem-se às relações entre os grandes jornais e as redes de TV.
Mais recentemente, como a propaganda política na TV assumiu um papel central nas campanhas eleitorais, os estudiosos estão analisando a influência dessas agendas políticas na agenda de notícias. O estudo, desenvolvido por alunos universitários, focalizou, no primeiro nível, as eleições majoritárias de Pamplona. Para o segundo níveis, dois grupos de atributos dos candidatos das duas disputas foram analisados:
a) Atributos substantivos incluem a ideologia dos candidatos e seu posicionamento sobre os temas, sua qualificação e experiência, e suas características pessoais;
b) Atributos afetivos foram o tom positivo, negativo ou neutro da descrição do candidato (Cf. Lopez-Escobar, 1998).
Foram analisados os três principais meios de comunicação que servem a Pamplona: dois jornais locais (Diário de Navarra e Diário de Notícias) e o telejornal regional da rede nacional de televisão (Telenavarra). Além desses veículos noticiosos, dois outros referenciais de análise foram adicionados: a análise de conteúdo da propaganda política paga publicada no Diário de Navarra e no Diário de Notícias.
Para finalizar o método, foi realizada uma verificação telefônica com 299 pessoas selecionadas aleatoriamente entre os moradores de Pamplona.
Em relação ao agendamento de segundo nível, Lopez-Escobar et al (1998) focalizaram sua análise em quatro versões das propriedades substantivas: as notícias nos jornais locais, o propaganda política paga nos jornais locais, as notícias em TV e a propaganda política inserida no tempo gratuito de TV de cada partido político. Somente duas dessas versões foram analisadas: as que envolvem o jornalismo. Isso porque obviamente os partidos utilizavam somente informações positivas em suas propagandas.
Personalidade e ideologia, que no início da campanha não eram os principais atributos, chegaram ao final como as propriedades fundamentais. Já em relação à agenda afetiva, tanto no jornalismo impresso quanto no televisivo uma característica de enquadramento é forte: o que predomina é o tom positivo sobre os candidatos, com crescimento desse tom positivo do período 01 para o período 02.
Em relação ao Intermedia, os autores concluem que a agenda da propaganda política tem uma pequena interferência na agenda dos atributos substantivos nos jornais e maior influência desses atributos no jornalismo de TV. Assim, “os resultados confirmam, no segundo nível do agenda setting, o padrão detectado por Roberts e McCombs no primeiro nível do agenda setting, um padrão que também coloca a propaganda política na posição de agente principal” (Cf. Lopez-Escobar, 1998, p. 236-237).
Outros estudos abordam o enquadramento e podem ser aproximados do agendamento de segundo nível. Shen (2004) pode ser retomado como um dos estudos que, mesmo de maneira, implícita, correlaciona agendamento de segundo nível e enquadramento. O autor examina em seu artigo os efeitos do enquadramento midiático na cognição dos eleitores e como esses efeitos podem ser moderados pelos esquemas cronicamente acessíveis desses eleitores.
Para ele, o enquadramento pode ter um grande impacto na forma como a audiência compreende e interpreta os assuntos. Pesquisas recentes retomadas no estudo mostram evidências de que a cobertura dos meios de comunicação em relação a aspectos específicos dos temas pautados podem fazer com que esses aspectos se tornem mais acessíveis ou salientes para a audiência e depois sejam mais utilizados na tomada de decisão da audiência ou em subseqüentes avaliações de temas e candidatos políticos.
Para examinar esse tema, a pesquisa de Shen (2004) utiliza um experimento controlado para apresentar uma propaganda política enquadrada com um tema orientado ou uma característica orientada em uma campanha política simulada. [6]
A discussão teórica proposta por Shen (2004) aponta para um caminho importante e nem sempre considerado nos estudos de agendamento de segundo nível e de enquadramento: a que envolve a teoria da acessibilidade cognitiva, que afirma que através da acessibilidade atitudes, conhecimento e idéias podem ser ativados. Essa ativação, segundo o autor, pode se dar através do estímulo de informações tratadas recentemente e que são ativadas na memória.
Por exemplo, quando uma informação relevante sobre um tema ou evento foi recente ou freqüentemente abordado pelos meios de comunicação, é mais fácil que ele seja ativado e esteja acessível às audiências e, como resultado, afete subseqüentes julgamentos e opiniões (Shen, 2004). Dessa maneira, a audiência não é e não pode ser vista como passiva.
Pensando nessa influência dos meios, o autor ressalta a importância de diferenciar, então, a acessibilidade temporária induzida pela mídia da acessibilidade crônica, que é mais estável. “A acessibilidade crônica refere-se a conceitos ou esquemas que estão sempre fortemente acessíveis na memória” (Cf. Shen, 2004, p. 4). Iyengar (apud Shen, 2004) afirma que o sujeito pode ser afetado, ao fazer suas escolhas de produtos, amigos, ofertas de emprego, pontos de vista e candidatos políticos, por essa ‘cronicidade’.
Não é possível, entretanto, compreender o enquadramento somente como uma reiteração de opiniões existentes. Colling (Cf. 2001, p. 95) ressalta que ao fazer um enquadramento o comunicador seleciona excertos ou aspectos da realidade como a percebeu, não necessariamente como ela aí. A partir dessa seleção, certos aspectos recebem maior destaque no texto, o que ocasiona “interpretação, avaliação moral e/ou tratamento recomendado para o item descrito”.
Um estudo desenvolvido por Tversky e Kahneman (apud Druckman, 2001) demonstra os possíveis efeitos e manipulações gerados pelo enquadramento aplicado a um texto, com predominância de um ou outro ponto informativo.
Os autores apresentaram o seguinte cenário aos respondentes: “Imagine que os EUA preparam o extermínio de uma rara doença asiática, que deve matar 600 pessoas. Dois programas de combate à doença foram propostos. As estimativas científicas de cada um dos programas são as que seguem”: Um grupo de 152 pessoas recebeu a descrição no formato de sobrevivência: “Se o programa A for adotado, 200 pessoas vão ser salvas. Se o programa B for adotado, existe a probabilidade de 1/3 das 600 pessoas serem salvas, e a possibilidade de 2/3 das pessoas não serem salvas”. Dos entrevistados, 72% optaram pelo programa A (a alternativa que não apresenta risco).
Um grupo de 155 pessoas recebeu a descrição no formato de mortalidade: “Se o programa C for adotado, 400 pessoas vão morrer. Se o programa D for adotado, existe a 1/3 de probabilidade de ninguém morrer, e 2/3 de possibilidade de todos morrerem.” Só 22% das pessoas escolheram o programa C. O resultado indica que há uma tendência dos entrevistados em optar pela alternativa que aponta para uma inexistência de risco ao ser exposto no formato de sobrevivência e de optar pela alternativa que aponta para a existência de risco quando estão expostos ao formato de mortalidade.
Observa-se, neste sentido, que distintos elementos precisam ser analisados quando se pensa em enquadramento. Elementos discursivos, contexto informacional, características da audiência, entre outros, são fatores fundamentais para a compreensão do framing ou do agendamento de segundo nível.
5. Considerações finais
O jornalismo é, por definição, um dos objetos fundamentais dos estudos de agendamento e enquadramento. Ao pensar o enquadramento para estudos de jornalismo, é importante ter em mente algumas especificidades da profissão. Rotinas produtivas, objetivo da produção, linha editorial da empresa, conexão da produção com a publicidade e/ou com a propaganda apresentada pelo meio de comunicação devem ser sempre considerados. “As rotinas e necessidades produtivas da indústria jornalística, empenhada em cativar e manter sua audiência, impõem aos jornalistas e editores certas escolhas que têm conseqüências políticas relevantes” (Cf. Aldé, 2004, p. 6).
Alessandra Aldé lembra que, muitas vezes, essas escolhas não são intencionais, mas que, com intencionalidade ou não, elas têm reflexos sobre os efeitos exercidos pelos meios de comunicação sobre sua audiência. Hackett (apud Colling, 2001) lembra que não necessariamente esse é um processo consciente. Muitas vezes o jornalista, devido às pressões de tempo, à exigência pelo furo ou ao perfil editorial do veículo decide ocultar um determinado dado, destacar uma notícia ou ainda lançar um dado olhar sobre a informação.
Outro elemento que age sobre as decisões do jornalista sem, necessariamente, representar uma ação em função da busca pelo poder ou pela influência sobre a audiência, é a observação dos critérios de noticiabilidade adotados pelo meio de comunicação. Um veículo de perfil local, por exemplo, pode pautar um tema com mais ou menos destaque devido à influência – direta ou indireta – que ele tenha sobre o dia-a-dia e os interesses de seu público (Erbolato, 2002).
Assim, o jornalismo, devido à complexidade de seu contexto e de seu potencial multidisciplinar, precisa ser observado a partir dos estudos de enquadramento ou de agendamento de segundo nível. O fortalecimento de atitudes e hierarquia de efeitos, sob uma perspectiva mais ampla, é fundamental para a compreensão do jornalismo, de suas rotinas e de como essas rotinas agem sobre a conformação da argumentação jornalística e das tomadas de decisão nas redações, afetando o processo de gatekeeping e, com isso, permitindo uma análise mais apurada dos efeitos dos meios de comunicação.
NOTAS
[1] Os estudos de agendamento são denominados hipóteses, e não teoria, segundo Hohlfeldt, porque “[...]uma teoria, como enfatizei anteriormente, é um paradigma fechado, um modo “acabado” e, neste sentido, infenso a complementações ou conjugações, pela qual “traduzimos”uma determinada realidade segundo um certo “modelo”. Uma “hipótese”, ao contrário, é um sistema aberto , sempre inacabado, infenso ao conceito de “erro” característico de uma teoria” (Cf. Hohlfeldt, 1997, p. 43) [nota da autora].
[2] “Noelle-Neumann desenvolveu dois conceitos: o clima de opinião e a espiral do silêncio. No primeiro caso, o ponto central de sua hipótese está no fato de que, ao perceberem ou imaginarem que a maioria das pessoas pensa diferente delas, essas pessoas acabam, inicialmente, por se calarem e, posteriormente, a adaptarem suas opiniões às opiniões daqueles que elas imaginam serem a maioria. A influência que esse processo todo exerce sobre os indivíduos, a respeito do que eles imaginam ser o pensamento dos demais, realiza-se num movimento constante e ascensional, por isso denominado de espiral do silêncio” (Cf. Trein, 2005, p. 05) [grifos no original].
[3] A questão da cognição nos enquadramentos dos meios de comunicação é retomada e discutida, mais adiante, no subtópico Enquadramento x Agenda Setting.
[4] Ao pensar em agendamento e nas variáveis a serem analisadas em um estudo dessa área, é fundamental que se tenha em mente que não existe somente uma agenda pública e que tampouco existe somente uma agenda de objetos. Lopez-Escobar et al (1998) lembram que todos os objetos têm uma série de atributos, características e propriedades e que a saliência desses objetos varia tanto quanto a de suas propriedades. A transmissão da saliência do objeto é o foco tradicional do agenda setting, é seu primeiro nível. A transmissão da saliência da propriedade, tanto entre os MCM quanto deles para o público, é o segundo nível (Lopez-Escobar et al, 1998).
[5] McCombs e Roberts relacionaram, em estudo desenvolvido em 1994, essa preocupação e os esforços dos candidatos para controlar a agenda midiática com a estratégia tradicional de exame de como as seleções de uma organização midiática influencia em outra organização noticiosa (Lopez-Escobar et al, 1998). Os autores, entretanto, propõem avançar a pesquisa de Roberts e McCombs, abordando tanto primeiro quanto o segundo níveis de agendamento.
[6] É certo que as pesquisas de efeitos de mídia conduzidas em laboratório são muito questionadas, já que isolam a audiência, retirando-a de um contexto considerado importante na composição da compreensão das informações transmitidas. Entretanto, é certo também que o isolamento laboratorial das pesquisas experimentais permite ao pesquisador o conhecimento de especificidades do processo só observáveis através da manipulação de variáveis, ação se não impossível, muito dificultada fora da pesquisa experimental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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*Debora Cristina Lopez é doutoranda em Comunicação e Culturas Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia e professora assistente Nível I do Cesnors/UFSM (RS).
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