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É
preciso ir a campo para saber
Por
Carlos Eduardo Lins da Silva*
Receber
um prêmio da importância do Luiz Beltrão
na categoria de maturidade acadêmica no ano em que cumpro
o meu primeiro cinqüentenário de vida me faz pensar
que já devo estar chegando ao período de receber
mais honrarias do que honorários. Esta é uma perspectiva
de algum modo preocupante, mas é inegável que
esta homenagem me sensibiliza e quero agradecer muito ao júri
que me escolheu, embora o grande número de amigos que
o compõe possa explicar o resultado.
Pediram-me
que falasse sobre minha carreira acadêmica nesta cerimônia,
em que a maioria absoluta da audiência é formada
por jovens estudantes de comunicação. Ela teve
início em 1971, quando ingressei como bicho na Faculdade
Cásper Líbero e no curso de Ciências Sociais
da Universidade de São Paulo e como foca na redação
dos Diários Associados, primeiro sintoma de uma vida
intelectual dividida entre a prática profissional do
jornalismo e a reflexão embasada da metodologia científica
sobre essa própria atividade.
Eu
costumo chamar essa dupla vida de anfíbia. Outros poderão
achá-la esquizofrênica.
De
qualquer modo, nos últimos 32 anos eu mantive um pé
na canoa universitária e outro na canoa dos veículos
de comunicação, com as vantagens e desvantagens
inerentes a esse repartimento. No início, era uma circunstância
necessária para a sobrevivência durante a vida
universitária.
Depois,
tornou-se opção deliberada, tomada com o objetivo
de levar a cada um desses dois ramos da profissão jornalística
a experiência obtida no outro e com a ambição
de, por meio dela, ajudar a aperfeiçoar ambos.
Creio
que minha produção acadêmica se concentrou
em três aspectos do processo de comunicação
de massa: os efeitos do jornalismo sobre a sociedade, as técnicas
de produção jornalística e as influências
internacionais sobre as características fundamentais
do jornalismo brasileiro.
A
primeira fase de meu trabalho como pesquisador reflete o momento
político em que ela ocorreu e minha reação
a ele. A tese de mestrado, na Michigan State University e sob
a orientação de Charles Atkin, e a dissertação
de doutorado, na Universidade de São Paulo e sob a orientação
de meu amigo e principal incentivador, José Marques de
Melo, tentavam compreender como o comportamento do público
pode ser modificado pelas informações que recebe
dos meios de comunicação de massa.
Uma
das principais lições que aprendi nos dez anos
que levei para realizar essas duas monografias é a de
que é preciso ir a campo para saber o que os receptores
fazem com o conteúdo veiculado por jornais, revistas,
emissoras de rádio e TV. Os esquemas teóricos
formulados nos gabinetes universitários precisam ser
confrontados com a realidade.
Fui
aos telespectadores do "Jornal Nacional" da Rede Globo
convencido de que eles tinham suas mentes manipuladas pela TV,
conforme havia aprendido nos textos da Escola de Frankfurt,
mas percebi que o mundo é muito mais complicado.
Se
alguma contribuição significativa ficou de meus
anos de pesquisa foi o resultado da aplicação
do método da "pesquisa-ação",
proposto pelo sociólogo Michel Thiollent, fortemente
influenciado pela observação participante da Antropologia.
É uma pena que poucos estudos o tenham utilizado novamente
nas duas últimas décadas, após a publicação
de "Muito Além do Jardim Botânico".
A
conclusão de que os sistemas abstratos dificilmente são
capazes de dar conta da complexidade das relações
que envolvem a recepção das mensagens foi semelhante
à que atingi quando fui examinar, na livre-docência,
a produção jornalística. Favorecido pela
oportunidade de observar por dentro a estrutura de um grande
jornal diário - a Folha de S.Paulo, onde ocupava um cargo
de comando na Redação -, pude comprovar que hipóteses
conspiratórias a respeito do poder da mídia, em
especial de seus proprietários em sociedades capitalistas
raramente têm contato com o que se passa nas empresas
de comunicação.
Finalmente,
nos estudos de pós-doutoramento que fiz no Woodrow Wilson
Center for International Scholars, tive a chance de constatar
que a maneira de fazer jornalismo no Brasil é um amálgama
de elementos oriundos de Portugal, França, Inglaterra
e Estados Unidos, além de diversos autóctones,
misturados de um modo peculiar, que não pode ser repetido
em nenhum outro lugar do mundo. De novo neste caso vi caírem
por terra os lugares-comuns dos chavões simplificadores
atribuíveis muito mais à ideologia do que à
verificação de fatos.
Esta
é uma sucinta súmula dos que foram possivelmente
os mais expressivos trabalhos que levaram o júri do Prêmio
Luiz Beltrão a me conceder a honra de recebê-lo.
Outros livros e monografias que escrevi e publiquei são,
de alguma forma, variações sobre esses temas.
Mais
uma vez, quero dizer obrigado aos que indicaram e referendaram
meu nome e a todos os presentes a este ato em que quero deixar
claro o meu apreço e respeito pelas instituições
universitárias brasileiras em que atuei e à Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação,
que ajudei a fundar e dirigir em seus anos iniciais e que atualmente
é referência internacional de excelência
no campo dos estudos de comunicação.
Alocução
proferida no dia 4 de setembro de 2003, no Auditório
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
durante a solenidade de outorga do Prêmio Luis Beltrão
de Ciências da Comunicação, na categoria
Maturidade Científica, pela Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisci-plinares da Comunicação.
*Carlos
Eduardo Lins da Silva é Editor Adjunto do jornal Valor
Econômico e Professor Livre Docente pela Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo. <linsdasilva@valor.com.br>
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